O Preâmbulo da Constituição do Estado Brasileiro
A
análise é discurso racional. Tratarei de seguir o exemplo deixado por
Descartes, o mestre moderno da racionalidade, adotando discurso simples, claro e
distinto, tanto mais que, como vimos, foi a racionalidade o argumento invocado
pelos eminentíssimos e respeitabilíssimos ministros do STF para instruir o TST
a mudar a Súmula nº 288, adotando doravante a norma jurídica da época do
benefício, ao invés da norma jurídica da época do contrato de trabalho, como
sempre antes fora praxe.
É
que estou bem consciente do que ensinam os mestres do Direito: “O Direito é
aquilo que o Poder Judiciário diz o que é, segundo os graus de competência de
cada órgão judicial. O Direito é circunstancial. O objeto do Direito (as normas
jurídicas) pode ser analisado cientificamente, mas a aplicação do Direito (das
normas jurídicas) depende das circunstâncias que envolvem os fatos, os valores,
e as partes ou pessoas envolvidas.”
A
Constituição do Estado Brasileiro é a “norma jurídica suprema reguladora das
condutas e comportamentos de todas as pessoas, órgãos ou corporações sujeitas
ao poder estatal brasileiro.”, porque o Brasil é um Estado Democrático de
Direito, isto é, no Brasil o poder soberano pertence ao Povo. No Brasil,
indivíduo algum se submete, obedece a outro indivíduo. O cidadão brasileiro só
é guiado pela Lei e só a ela se submete.
O
preâmbulo enuncia os valores, os bens que os indivíduos nacionais brasileiros,
reunidos no dia 05/10/1988, (o dia precisamente em que eu completava 33 anos
que ingressara no Banco do Brasil), pretenderam alcançar, organizando-se em
sociedade, a convivência dos brasileiros, isto é, constituindo o Estado
Brasileiro. Esses bens, valores, são metas a perseguir em todo o
desenvolvimento da teia legal que será a Constituição Brasileira e o Direito
Positivo Brasileiro. E essa teia se vem formando e ampliando a partir de então.
Já
foi decidido pelo STF que “o preâmbulo não é norma jurídica, não é norma
constitucional, mas um enunciado de princípios políticos, sem força jurídica
para obrigar, proibir, ou permitir eventual sanção por seu descumprimento.”
O
preâmbulo é bússola da atividade do jurista ao criar e interpretar qualquer lei
do Direito Positivo Brasileiro. É uma
das linhas mestras interpretativas da Constituição. Mas, não prevalece contra
texto expresso da Constituição, nem pode ser paradigma comparativo para
declaração de inconstitucionalidade.
Ei-lo:
“Nós, representantes do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Entendo,
pois, que os valores (os bens) aí elencados são: o Estado Democrático, os
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
progresso, a igualdade; a sociedade fraterna, pluralista e não preconceituosa;
a convivência harmoniosa, a ordem interna e externa; a República Federativa do
Brasil.
Entendo
que, em 05/10/1955, quando, radiante de confiança e felicidade com o meu
destino na vida, sentei pela primeira vez numa carteira do Banco do Brasil, no
Gabinete do Contador da Agência Central do Recife, depois de assinar um contrato individual de
trabalho, onde constava esta cláusula (Carta-Circular nº 309/55), eu certamente
havia conseguido garantir bem-estar, por toda a vida, para mim e meus
dependentes: “assegurará o Banco pagamento da
mensalidade equivalente a tantos trigésimos da média dos proventos totais dos
cargos efetivos ou em comissão, exercidos no último triênio, quantos foram os
anos de serviço computados para efeito de aposentadoria, até o máximo de
trinta”, sendo que a “mensalidade compor-se-á da aposentadoria propriamente
dita, custeada pela entidade de previdência social, e do complemento, a cargo
do Banco, necessário a totalizar as vantagens mencionadas nos itens
anteriores”. A pensão, então, consistia em 100% da aposentadoria. Ambos
benefícios esses totalmente custeados pelo Banco do Brasil, ao longo do tempo
de existência do funcionário e do pensionista. E eu pautei minha vida com a
certeza de que havia garantido o bem-estar meu e de minha mulher.
Essa Circular FUNCI era tão entendida como cláusula contratual
de trabalho, que não assinei documento algum relacionado a aposentadoria e
pensão. Ao contrário da matéria relacionada à assistência prestada pelo Banco à
Saúde. Com efeito, naquele dia, depois de eu solicitar esclarecimentos sobre a
exigência de assinar o documento de ingresso na CASSI, o Banco, através do
funcionário que me atendia nos respectivos procedimentos, me esclareceu: “ou
assina ou não entra no Banco.”
Tratou-se, pois, de cláusula de contrato individual de trabalho
com prestações diárias, no prazo de trinta anos ou mais, a meu critério, e
contraprestações mensais salariais da parte do Banco. A minha confiança no
Banco era total, enquanto o Banco tinha certeza que a minha parte no contrato
seria cumprida, já que ele só me pagaria depois de cumprida a minha parte, isto
é, realizado o trabalho contratado.
Aquele contrato de trabalho, pois, foi o exercício do direito
individual mais fundamental, a saber, o direito à vida. Voltaremos a analisar
esse direito à vida. Ele está aí, reclamado e reforçado, em vários outros
valores. A Vida é o direito básico, subjacente a esse valor Liberdade, aí
expresso. Esse direito à Vida está igualmente subjacente aos valores de
bem-estar, progresso e segurança.
No momento quero restringir-me a ressaltar alguns aspectos desse
contrato de trabalho. Ele estava ajustado ao valor “liberdade”. Éramos totalmente
livres para ingressar no Banco. Ingressávamos por concurso, em geral, nacional.
Naquele ano de 1955, em que me submeti ao concurso para funcionário do Banco,
fomos mais de duzentos mil candidatos. Fomos aprovados pouco mais de
setecentos. De sua parte, o Banco do Brasil estabelecia as condições de
trabalho com total autonomia. Anualmente aguardávamos a revisão dos salários,
promovida solitariamente pelo Banco, confiantes em que ele nos proporcionaria
as melhores condições remunerativas possíveis. Eu mesmo, na Inspetoria das
Agências do Exterior, fiz, no ano de 1964, os estudos para a revisão salarial
dos empregados das agências do Banco no Exterior. Foi o primeiro trabalho que
ali me confiaram.
Por outro lado, a liberdade está ligada à racionalidade.
Qualquer fenômeno macro só se realiza quando plenamente determinado. A
racionalidade humana abre diminuto espaço operacional para atividades que se
realizam sob a guia da Razão. Eles acontecem sob a determinação final da
vontade humana, de modo que a atividade determinante é guiada por razões. O
homem faz certa coisa porque ele próprio determina fazer, de modo que ela só
acontece porque ele a quer que exista. A Razão abre um espaço de decisão, de
autodeterminação para os indivíduos humanos, de autonomia. É da Razão que
derivam a autonomia e a dignidade humana. Somente o homem tem um espaço -
pequenino espaço é bem verdade -, entre todos os seres naturais conhecidos, que
goza de autonomia e da consciência, a luz da Razão!
Por outro lado, a existência humana é um naufrágio (Karls
Jaspers), é nada (Sartre). O homem padece da angústia existencial (Heiddeger)
de ser inevitável vítima de necessidades, incômodos, dores, sofrimentos e morte
(Virgílio). Daí, o valor Segurança. A Cultura é o patrimônio acumulado das
obras humanas na luta pela Segurança por afastar a Morte para mais longe e
eliminar as carências, as dores e os sofrimentos e as incertezas do futuro.
Quanto mais sofisticada for a Cultura e mais refinada a Civilização mais segura
será a vida humana individual.
Acho que já somos capazes de entender os valores, os bens que
nós, cidadãos brasileiros decidimos alcançar na convivência da sociedade
brasileira e que nos devem guiar nesta análise: direitos individuais,
liberdade, segurança, bem-estar, progresso. E sabemos que todos eles estão
radicados no valor da racionalidade.
Então eu lhes coloco a questão que ora nos interessa:
A aposentadoria e pensão do pré-67 da PREVI deve ser regida pela
lei do benefício vigente no dia do contrato de trabalho do funcionário,
entendido que se lhe adicionam todas as melhorias posteriores, mas não se lhes
acrescem as que degradam, ou pela lei posterior (da data do dia do benefício)?
O que lhes parece à luz dos valores constitucionais? Qual das
duas normas se ajusta melhor à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao
progresso e ao meu direito individual constitucional fundamental à vida?
Parece-me evidente que é a primeira opção, a Súmula 288 do TST
que vinha regendo até recentemente as decisões da Justiça, nessa matéria de
aposentadoria e pensão, nos tribunais trabalhistas: a aposentadoria rege-se
pela lei do dia do contrato do trabalho, não admitindo degradação, mas
alterando-se automaticamente, no caso de melhoria.
Isso me parece evidente no caso dos funcionários do BB-pré-67,
haja vista, como narrei, a preocupação da PREVI, naqueles idos, em enfatizar
que a PREVI recebera substancial reforço financeiro do Banco: o Banco assumira
todo o ônus do passado (ainda hoje parte da aposentadoria desse grupo é paga
com recursos ditos do Banco) .
Já a segunda alternativa (a aposentadoria rege-se pela lei do
dia do benefício) deixa total incerteza, até a possibilidade da extinção do
benefício, como a experiência nos comprova.
Aliás, o discurso da PREVI, naqueles remotos tempos de 1966,
quando o Banco lhe transferiu o custeio das aposentadorias e pensões, era
claro: de hoje em diante aposentadoria e pensão não mais são cláusula
contratual de trabalho. São assuntos do Estado Brasileiro. Já a complementação
desses benefícios é negócio da PREVI.
A PREVI continuou negociando aposentadoria de 100%, confiando
como ela explicou aos funcionários, naquela ocasião em 1966, no substancial
apoio financeiro e colaboração administrativa do Banco, função essa que mais
tarde veio a assumir a designação de Patrocínio. Já a pensão foi imediatamente
degradada, porquanto ela, que era sempre de 100% da aposentadoria, assumiu os
contornos que hoje apresenta: a parcela de 60%, admitidas mais outras quatro,
no máximo, de 10%, totalizando os 100% do valor da aposentadoria, em função do
número de dependentes, se mais de um.
E o que pensar a respeito da situação dos colegas pós-67 do
Plano de Benefício 1?
Claro que também eles se sentem inseguros quanto ao futuro:
perderam a segurança financeira total do Banco, se bem que insinuada e
entrevista e comprometida, como esclarecia a PREVI em 1966. Afinal, o Banco
estava presente e agindo na PREVI. Ainda não existia o compromisso contratual
de Patrocinador.
Evidente que todos, em 1967, perdemos muito, porquanto, até
aquela data, o custeio do complemento da aposentadoria e pensão era totalmente
suportado pelo Banco. Compartilhado com o Banco, a partir daquele ano, o valor
líquido da aposentadoria não mais seria 100% do salário. Ele diminuirá na
medida que aumentar o valor da contribuição!
(continua)
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