segunda-feira, 24 de outubro de 2016

362. Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)

O Trabalho

O trabalho é a energia que se gasta para deslocar um objeto de determinada massa durante determinado tempo ao longo de certa distância. O trabalho humano é geralmente realizado para extrair da natureza a subsistência e o bem-estar (alimentação, moradia, remédios, analgésicos, proteção, aumento de expectativa de vida), porque a natureza, por vezes, e quantas!, é megera. Em geral, ela só é generosa para com o homem que a domina! Subsiste o homem que a domina pela Ciência e Tecnologia. A Natureza gerou o homem por um enorme acaso. A civilização é o resultado do esforço humano por adaptar a natureza às suas conveniências de manutenção da vida e elevação do nível de bem-estar.

O cansaço, a aprendizagem, a concentração da atenção, os fracassos e outras adversidades, que envolvem o trabalho humano, também são experimentados como mal-estar e o homem, por isso, procura eliminá-los, divertindo-se (trabalho que não visa à subsistência) ou descansando. Eis por que, recentemente, em entrevista, Delfim Neto declarou que o homem almeja com razão reduzir o tempo de trabalho. Seja como for, atualmente, na prática, o trabalho é a melhor forma de emprego do tempo, na minha opinião!

A História narra que a Humanidade usou fenômenos naturais como o vento e a água para produzir trabalho, nos moinhos, engenhos, barcos e outros empreendimentos. Utilizou-se igualmente de animais (cavalo, bois, cachorros, lobos, elefantes) e até outros homens como escravos. A escravidão perdurou até recentemente. No século XVII EC, a rainha Elizabete I, da Inglaterra, chefe da Igreja Anglicana, igreja cristã, era proprietária de um navio negreiro chamado Jesus. A escravidão perdurou no Brasil até o final do século XIX EC. O cidadão grego, produto de uma das mais altas civilizações da História, não trabalhava, isto é, não fazia trabalho manual, porque o considerava indigno. O escravo trabalhava para o cidadão grego. O cidadão grego era latifundiário. Era administrador de suas terras. Comandava seus escravos feitores, para que estes trabalhassem pondo a trabalhar os demais escravos em todo tipo de serviço necessário para extrair da terra e lhe preparar todo o necessário para a subsistência e bem-estar. O cidadão grego gastava seu tempo no trabalho intelectual, discutindo política e filosofia, e exercitando-se para a guerra, ouvindo os poetas e os músicos, e assistindo ao teatro. Ele vivia segundo a filosofia de Epicuro: ”sem dor no corpo e sem inquietação na alma” ou o lema latino: mens sana in corpore sano (mente sã em corpo são). Ele era cidadão grego, porque, nascido na cidade, a sustentava e a defendia.

Nos tempos modernos o homem vem substituindo o trabalho humano pelo trabalho da máquina. É que o homem passou a trabalhar também para enriquecer, não apenas para subsistir. E isso lhe foi facilitado pelo emprego da máquina, da tecnologia, da inovação. Até o trabalho mental vem sendo substituído pelo trabalho da máquina! É que o capital só subsiste ou cresce, se permanecer sempre vendendo, e vendendo cada vez mais. Isso foi notado por Karl Marx, o grande economista alemão socialista, que anteviu todo o problema que a economia mundial está hoje enfrentando. Adam Smith, professor de Ética na Escócia, e fundador da Ciência Econômica, já intuíra, um século antes de Marx, que as leis do enriquecimento não são as mesmas da conduta ética (o preço não faz justiça, porque ele é simplesmente o nível de convergência do grau de procura e do grau de oferta do produto). Aliás, esse problema foi também percebido pelo grande capitalista norte-americano, Ford, aquele que renovou o movimento industrial no início do século passado, implantando as esteiras de montagem de veículos, e dizia que precisava pagar bem a seus operários porque estes eram os adquirentes dos produtos de sua fábrica. Joseph Schumpeter, ministro austríaco da Fazenda e professor de Economia na Harvard, ensinou, poucos anos depois de Marx, que o capitalismo, precisa inovar continuamente, estar permanentemente a criar tecnologia melhor, mais produtiva, sempre criando novidade e destruindo o antigo. Ora, mais e melhor máquina, menos trabalho humano. E Karl Marx anteviu que isso geraria uma crise fantástica quando o mercado se globalizasse! Foi ou não foi uma profecia? Imagine-se quando a Ásia toda e a África toda e América toda engrossarem esse mercado produtor!

O cenário contemplado por Marx no seu tempo era os de uns poucos empresários ganhando fábulas de dinheiro às custas de milhões de empregados (até em idade infantil) trabalhando nas fábricas infectadas, até no ar ambiente, até vinte horas por dia, sem férias e sem mesmo descanso semanal. E o cenário antevisto é o de hoje, a saber, a produção se expandindo aceleradamente em mercados de mão de obra de valor aviltadíssimo, e os respectivos trabalhadores vivendo em favelas e mal conseguindo sobreviver, desempregando a mão de obra dos países mais avançados socialmente que lhes compram os produtos! Estados Unidos, Inglaterra, Áustria e Hungria erguendo muros para impedir a invasão de milhões de desempregados dos países subdesenvolvidos. Até parece a reedição da destruição do Império Romano do Ocidente pela invasão dos povos germânicos no século IV EC. Vozes políticas se ouvem nos Estados Unidos e na Europa ameaçando de expulsão os imigrantes. Já há países europeus pretendo impedir à bala a invasão dos excluídos do mercado globalizado. Anuncia-se o genocídio do refugo humano? Existem os bilhões dos sem terra e sem teto, para que paradoxalmente exista o 1% dos super-ricos. Galbreith narra que, no início do século passado, a classe rica de New York recebia festivamente a visita de Émile Durkheim que vaticinava, com fundamento na seleção natural de Darwin, a sobrevivência da classe rica e o desaparecimento da classe pobre. O futuro pertenceria exclusivamente aos ricos!

Então, entendo que o termo trabalho, usado em nossa Constituição, possui muitos significados, todos centrados, num núcleo significativo restrito, a saber, o trabalho produtivo, mas, com significados diversos (trabalho humano, trabalho manual, trabalho contratado permanente, diarista, livre iniciativa, trabalho de empresário, trabalho de administrador de empresa, etc.). E isso é o que constato ao folhear dicionários jurídicos.

Então, comecemos a ler o texto constitucional brasileiro.

“Art.1º- A República Federativa do Brasil...tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;...Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,...” A Constituição estaria, nestes dois artigos, se referindo a todo tipo de trabalho humano.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:...” Deste artigo, tratei no texto anterior. Acho claro que trata especificamente do empregado.

Evidente que os artigos do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) se ocupam da organização de todo tipo de trabalho: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,...”

Chega-se, assim, ao artigo 193 que, isolado, é todo o capítulo I do Título VIII (Da Ordem Social): “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

Entendo que este artigo/capítulo, o mais curto capítulo da Constituição, o seja propositadamente. Entendo que o seja exatamente por isso, porque ele condensa nesta norma jurídica todas as normas que compõem a Constituição: esta sociedade organizada se constrói pelo trabalho e pretende ser uma sociedade justa e proporcionadora de condições para que todos os cidadãos brasileiros se realizem, isto é, construam uma vida individual de bem-estar.

Foi para isso, para que todos os brasileiros se realizem individualmente, que se organizou a República Federativa do Brasil, essa sociedade de centenas de milhões de pessoas, num território de quase dez milhões de quilômetros quadrados, numa sociedade estatal democrática, cujo poder soberano é distribuído harmonicamente em três poderes, pondo em funcionamento infinidade de institutos qual organismo vivo que difunde as condições de sobrevivência e progresso necessárias para que os cidadãos brasileiros todos usufruam do seu próprio e justo bem-estar.

Chego a me perguntar: não seria este artigo 193 a mais importante bússola jurídica da Constituição Brasileira de 1988?

E o que ordena essa bússola constitucional básica? TODO BRASILEIRO HÍGIDO TEM O DIREITO E A OBRIGAÇÃO DE TRABALHAR, isto é, DE CONSTRUIR SUA HUMANIDADE, UMA HUMANIDADE JUSTA, COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE HUMANA, isto é, RACIONAL E AUTÔNOMA, NO GOZO DO BEM-ESTAR, isto é, DE UMA VIDA PLENA, FELIZ.

E a que trabalho a Constituição está aí se referindo? A todo tipo de trabalho, ao trabalho humano, ao trabalho compatível com a dignidade humana. Ao trabalho humano capitalista, mediante a máquina? Também, desde que não atente contra dignidade humana, por exemplo, não desempregue! O princípio constitucional do progresso não pode desempregar, nem afrontar a dignidade humana! Ao contrário, ele funciona no sentido de que todo o cidadão brasileiro, até o incapacitado para o trabalho, até aqueles para os quais o Estado faliu na sua obrigação de criar condições para construí-la, goze de sua vida plena, de bem-estar, a que tem direito.

E é exatamente desta obrigação do Estado que trata todo o Título VIII-Da Ordem Social, dessa Segurança que o Estado tem a obrigação de proporcionar a todo o cidadão brasileiro, isto é, de usufruir de uma vida plena, com dignidade, uma vida justa e de bem-estar.

Estaria a Constituição Brasileira antevendo uma utopia? Uma Humanidade para a qual as máquinas trabalhariam? Já se antevê hoje até maquinismos que se refaçam! Maquinismos vivos?! A HUMANIDADE CAPITALISTA? A humanidade toda proprietária das máquinas? A Humanidade toda, usufruindo o seu próprio bem-estar, sem trabalhar, como entende Delfim Neto ser o ideal humano justo e digno?


(continua)




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