Cláusulas Pétreas
Entendo que
esta matéria das Cláusulas Pétreas seja muito importante para decidir sobre a
correta formulação da Súmula 288 do TST. Por isso, estou dedicando mais este
texto a esse debate.
Já detemos
razoável noção do que seja uma cláusula pétrea. É uma norma constitucional que
não pode ser retirada da Constituição nem modificada por Emenda Constitucional.
Muito menos pelo Presidente da República, ou lei, ou instrução. Muito menos por
um juiz, mesmo que seja um colegiado deles, o maior deles, como é o STF, tão
importante ela é. E tanta é essa importância que a cláusula pétrea é na prática
o exercício da soberania popular. A cláusula pétrea coloca o indivíduo humano,
o cidadão, acima de todos os Poderes do Estado e de todas as Autoridades do
Estado. O indivíduo humano é inatingível nesses seus direitos. O cidadão
brasileiro é soberano.
Já estamos
familiarizados com esta cláusula pétrea: Art 5º.II - ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Ora, a PREVI (Carta-Circular nº 351, em
1966) diz que o Banco decidiu, daquela época em diante, continuar pagando
aposentadoria, exatamente como vinha pagando (Circular-Funci-390/55), não mais
diretamente, e, sim, através da PREVI.
Eu fizera um contrato de trabalho com o
Banco, 11 anos antes, contrato a termo, de que ele me pagaria o complemento da
aposentadoria, completados os trinta anos de serviços, e que essa aposentadoria
seria, até meu último dia de vida, igual ao valor do meu salário do último dia
de trabalho.
De acordo com essa cláusula pétrea, o
Banco unilateralmente, como fez, poderia alterar as condições de meu contrato
de trabalho, doze anos decorridos, desde meu ingresso no Banco? Penso que não.
E ele, de fato, não modificou o valor do complemento de minha aposentadoria.
Modificou, porém, a pensão e introduziu a contribuição dos funcionários, além,
é claro, do mais importante: transferiu para a PREVI a responsabilidade pelo
pagamento do complemento desses dois benefícios, embora se mantivesse
comprometido com o seu valor integral, em virtude das normas internas do
funcionalismo do Banco.
Por que assim penso? Porque a
irretroatividade da lei já existia naqueles tempos, como vimos, na Constituição
de 1934. Eu já possuía um direito individual, a termo, é verdade, do
complemento de aposentadoria e pensão, de 100%, sem ônus algum para mim, em
virtude de meu contrato de trabalho. E pacta sunt servanda, os contratos devem
ser honrados. Juiz nenhum, lei nenhuma, Emenda Constitucional nenhuma,
autoridade nenhuma podia naqueles tempos de 1966, nem agora pode extinguir esse
meu direito individual, porque é uma lei POSTERIOR A 1955! Quem o diz? Aquele
inciso II do artigo 5º da Constituição, reforçado por estas outras cláusulas
pétreas desse mesmo artigo 5º, todas elas tratando claramente da
irretroatividade da lei:
“XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido,
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu;”
ESSAS LEIS AÍ EXISTEM EXATAMENTE PARA ISSO, isto
é, PARA EVITAR QUE ATOS COMO ESSES EM CONTRATOS COM PRESTAÇÕES A TERMO
DESFIGUREM, DESQUALIFIQUEM, ANULEM OS COMPROMISSOS CONTRATUAIS ASSUMIDOS
ANTERIORMENTE! Ou não é?!
No decurso da segunda metade do século passado,
várias modificações ocorreram nesse contrato, promovidas unilateralmente pelo
Banco e até por intervenção do Governo, como exigência de prazo superior a
trinta anos de trabalho para aposentadoria integral, que prejudicaram tanto os
pré-67 quanto os pós-67. Em razão do compromisso do Banco (acho que até
expresso nas instruções internas do funcionalismo do Banco), essas alterações
são também afrontas à cláusula pétrea da irretroatividade da lei, para estes
últimos igualmente.
Acredito que a aposentadoria integral foi
inegavelmente cláusula do meu contrato de trabalho e, portanto, está protegida
pelas cláusulas pétreas da Constituição,
e nominalmente, consoante reza o Art.7º da Constituição: ”São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: XXIV – aposentadoria”
Ora, o direito ao trabalho é claramente um direito
individual, e ligadíssimo aos valores, princípios e direitos à Vida e à
Dignidade Humana. Na minha opinião, a
aposentadoria é matéria intimamente ligada ao trabalho e também um direito
individual, não apenas nas engrenagens naturais da vida e da sociedade, como
igualmente nas ilações da jurisprudência e da nossa Constituição.
Até me parece que a Constituição também assim o
entende em muitos dos seus preceitos:” Art. 6º São direitos
sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Art. 7º
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social:
IV - salário mínimo...
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo
coletivo;
V - piso salarial proporcional à extensão
e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o
disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior
ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na
remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno
superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei,
constituindo crime sua retenção dolosa;
XII - salário-família pago em razão do
dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998)
XIII - duração do trabalho normal não
superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção
coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o
trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo neociação
coletiva;
XV - repouso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço
extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas
com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XXIV – aposentadoria”
Se salário mínimo e horas de trabalho são cláusulas
contratuais do trabalho, por que aposentadoria não é?
Aliás, se minha memória de 90 anos não me está
traindo, parece-me que, em anos recentes, o STF teve de ocupar-se com esse
assunto, no seu próprio interesse, quando o Governopretendeu estender a idade
da aposentadoria compulsória dos juízes, de 70 para 75 anos. Não sei se isso foi de fato modificado. Apenas me resta
a lembrança, não sei se correta, de que alguns juízes, já na iminência de
aposentar-se, sugeriram que a lei viesse com a excepcionalidade para aqueles já
juízes que preferissem aposentar-se aos 70 anos.”
Essa
íntima ligação entre trabalho e aposentadoria merece ser examinada, já que a
Constituição dela trata, podendo ser que aí encontremos a explicação para a
orientação adotada pelo STF.
(continua)
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