O
primeiro argumento é apresentado pelo citado Juízo da seguinte forma: “Por
outro lado, quanto ao artigo 20 da Resolução, também não me pareceu ter havido
ilegalidade. As hipóteses de revisão do superávit não constam de rol fechado da
LC 109/01. Há apenas menção exemplificativa à redução de contribuições. No
entanto, não há como negar outras espécies de redução poderão ser adotadas. O
objetivo da lei não foi o de cerrar o leque de opções para a regulamentação (a
lei não veda outras formas). O importante é que se faça a revisão, seja pela
redução (total ou parcial) das contribuições, seja pela melhoria dos benefícios
(hipótese também não prevista na LC nº 109/01), seja pela hipótese impugnada
neste writ, qual seja, a reversão de valores de forma parcelada aos
participantes, assistidos e patrocinador. No fundo, são todas elas espécies do
gênero revisão do superávit.”
Minha
opinião.
Sei
que o Juízo Federal tem exímio conhecimento de Direito e de Hermenêutica
Jurídica e o respeito. Quero, todavia, de início, esclarecer que entendo haver nesse
argumento clara transgressão de uma norma da Hermenêutica Jurídica:
“Interpretação da prescrição clara. ...in claris cessat interpretatio... No
exame do texto, verifique a sua compreensão, alcançando-a, desista do processo
do conhecimento e aceite-o como tal.” (Curso de Direito Previdenciário, de
Wladimir N. Martinez, Capítulo CLXXXIV, pg. 1289).
Onde
o Juízo Federal encontrou esse “elenco exemplificativo e aberto de hipóteses de
revisão do superávit”? No artigo 21 da LC 109/01:
“ Art. 21. O RESULTADO DEFICITÁRIO nos planos ou
nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e
assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de
ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou
prejuízo à entidade de previdência complementar.
§ 1o
O EQUACIONAMENTO REFERIDO NO CAPUT PODERÁ SER FEITO, DENTRE OUTRAS FORMAS, por
meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição
adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas
estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 2o
A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo
cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do
acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.
§ 3o
Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto
no caput deste artigo, em conseqüência de apuração de responsabilidade mediante
ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados
necessariamente na redução proporcional das contribuições devidas ao plano ou
em melhoria dos benefícios.”
Ele diz que o encontrou no §1º desse artigo 21 que
manda: “O EQUACIONAMENTO REFERIDO NO CAPUT poderá ser feito, DENTRE OUTRAS
FORMAS,...” Então é CLARÍSSIMA A RESTRIÇÃO: esse elenco exemplificativo só se
aplica ao EQUACIONAMENTO DO RESULTADO DEFICITÁRIO (in claris cessat
interpretatio), não se aplica ao EQUACIONAMENTO DO RESULTADO SUPERAVITÁRIO; só
se aplica ao ARTIGO 21, não se aplica ao ARTIGO 20. E essa restrição ainda fica
mais clara, se reforça, com o mandamento contido no §3º desse artigo 21: “Na
hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no
caput deste artigo... OS RESPECTIVOS VALORES DEVERÃO SER APLICADOS
NECESSARIAMENTE NA REDUÇÃO PROPORCIONAL DAS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AO PLANO OU
EM MELHORIA DOS BENEFÍCIOS.” Isto é, só existem duas hipóteses de eliminação de
EXCESSO DE RESERVAS, a saber, ou redução da contribuição ou melhoria dos
benefícios! Pode haver mandamento mais claro?! In claris cessat interpretatio!
O eminentíssimo Juízo Federal sabe, é claro, da
especificidade do equacionamento do déficit. Ele sabe que um Plano de
Benefícios desequilibrado por déficit pode ser reequilibrado por aumento das
Contribuições, por redução do valor do benefício futuro do Participante, por EMPRÉSTIMO (de
diversos tipos) e até por DOAÇÕES. É a este elenco de hipóteses de
equacionamento de desequilíbrio deficitário que a Lei está se referindo. Aqui
no Brasil essas doações são raras. Mas, na Europa e, sobretudo, nos Estados
Unidos da América, elas são muito frequentes. O casal Bill Gates recentemente
instituiu uma fundação, com os recursos de um terço de sua fabulosa fortuna,
para proporcionar benefícios sociais aos cidadãos dos países subdesenvolvidos.
Outro bilionário norte-americano, noticiaram os jornais, deixou recentemente,
ao falecer, toda sua fortuna para um grupo de financistas brasileiros que
administravam seu patrimônio. Nada impede, pois, que algum abastado brasileiro
possa querer fazer doação para determinada EFPC nacional!...
Há, porém, outro lamentável e mais importante aspecto
nesse argumento do “elenco exemplificativo de hipóteses de revisão do
superávit”, a saber, indica que não se entende o fato financeiro e contábil do
superávit, que não se entendeu a arquitetura da LC 109/01 ou, até mesmo, que
não se leu a própria LC 109/01!
Atente-se para a arquitetura da LC 109/01:
O artigo 7º manda que os Planos de Benefícios
(inclusive os de benefícios definidos) sejam administrados de tal forma que
sempre estejam garantidos transparência, solvência, liquidez e equilíbrio
econômico-financeiro e atuarial.
Isto é, permanentemente o ativo do Plano de Benefícios
deve ser de valor tal que garanta que se iguale
ao valor do passivo dos benefícios contratados, e esse valor deve ser
avaliado por cálculo econômico-financeiro e atuarial.
Os artigos 18, 19, 20 e 21 da LC 109/01 dizem que esse
ativo se forma mediante Contribuições do Patrocinador, ou do Participante ou de
ambos. Já o §1º do artigo 9º manda que se faça a aplicação desse ativo no
mercado de dinheiro. O artigo 31 diz que EFPC é sociedade civil ou fundação sem
fins lucrativos e o artigo 32 restringe a atividade da EFPC exclusivamente à
prestação de benefícios previdenciários.
Assim, segundo a arquitetura da LC 109/01, tem-se, de
um lado, o PASSIVO do Plano de Benefícios Previdenciários, a saber, o valor dos
Benefícios Previdenciários Contratados, segundo cálculo econômico-financeiro e
atuarial; e, do outro, o ATIVO do Plano de Benefícios Previdenciários,
alimentado pelas CONTRIBUIÇÕES e pela RENDA DAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS. E
tem-se o mandamento legal da LC 109/01: É PRECISO QUE A IGUALDADE ENTRE ESSE
ATIVO e ESSE PASSIVO ESTEJA SEMPRE, PERMANENTEMENTE, ASSEGURADA.
Aí entra o artigo 18 da LC 109/01 que amplia a
exigência de equilíbrio econômico-financeiro e atuarial para o ATIVO TOTAL do
Plano de Benefícios com relação ao seu PASSIVO TOTAL. E o artigo 22 manda que esse
equilíbrio seja conferido anualmente ao fim do exercício. É que ao PASSIVO
ESTRITAMENTE PREVIDENCIÁRIO do Plano de Benefícios agregam-se outras
obrigações, como obrigações trabalhistas, obrigações administrativas, obrigações
contratuais para com terceiros e até obrigações judiciais:
“Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima
anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das
reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais
despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 1o
O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de
pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.
§ 2o
Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o
cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de
benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação
obrigatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com
as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocinador ou
instituidor.
§ 3o
As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os
exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura
integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios, ressalvadas
excepcionalidades definidas pelo órgão regulador e fiscalizador.”
Então, temos aí no artigo 18 como se deve conseguir o
equilíbrio econômico-financeiro e atuarial do Plano de Benefícios na sua
totalidade: flexibilizando a CONTRIBUIÇÃO, ajustando o valor da CONTRIBUIÇÃO de
modo que permanentemente se obtenha ATIVO TOTAL IGUAL A PASSIVO TOTAL do Plano
de Benefícios.
Atente-se bem. Nenhum desses valores, ATIVO e PASSIVO,
calculados financeira e atuarialmente, são ABSOLUTAMENTE PRECISOS. Eles são
MERAMENTE PROVÁVEIS, diria até, VALORES MAIS OU MENOS APROXIMADOS DO QUE DE
FATO OCORRERÁ NA REALIDADE. Quem há três anos, há um ano, poderia imaginar que
iria ocorrer no mercado brasileiro esse terremoto que está acontecendo com a
Petrobras? Quem pode garantir que esse baque já atingiu o fim do poço?
Três hipóteses, portanto, poderão ocorrer, digamos,
passado um ano: igualdade (equilíbrio), déficit de ativo ou superávit de ativo.
Na minha opinião, O MENOS PROVÁVEL é que ocorra o EQUILÍBRIO. E o MAIS PROVÁVEL
É QUE OCORRA O SUPERÁVIT DO ATIVO. O que é IMPORTANTE é o mandamento existente
neste artigo 18: HAVENDO DÉFICIT DE ATIVO, aumenta-se a CONTRIBUIÇÃO; havendo
superávit de ATIVO, reduz-se a CONTRIBUIÇÃO. O EQUILÍBRIO SE CONSEGUE
AUMENTANDO OU REDUZINDO A CONTRIBUIÇÃO.
Mas, lá acima, foi dito que o valor do ATIVO é
resultado também da RENDA das aplicações dos recursos do Plano de Benefícios. É
verdade, mas a Lei supõe que ele está sendo operado competentemente, como deve
ser feito, e, portanto, a EFPC está obtendo a taxa de renda do MERCADO. Noutras
palavras, a taxa de renda das aplicações não é determinada por decisão da EFPC,
ela é determinada pelo MERCADO (a mão invisível do mercado, resultado das
incontáveis interações da multidão de operadores de negócios). A EFPC não a
determina, ela se submete à taxa do mercado. Logo, a EFPC não pode alterar essa
taxa de renda para ajustar o ATIVO ao PASSIVO, para EQUILIBRA-LOS, IGUALÁ-LOS.
Mas, note que, se o ATIVO JÁ EXCEDE O PASSIVO, e mesmo
depois de totalmente suspensa a Contribuição, o ATIVO não só continua excedendo
como até continua aumentando o próprio EXCESSO, esse EXCESSO SÓ SERÁ ELIMINADO
com AUMENTO TAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTOS QUE ESTE SUPERE O PRÓPRIO FLUXO DE
INGRESSO DE RENDA DE APLICAÇÃO.
É daí que provêm os seguintes artigos 19, 20 e 21, a
saber, para determinar como se processa o reequilíbrio de Plano de Benefícios
que já se acha DESEQUILIBRADO POR EXCESSO OU DÉFICIT DE RESERVAS
PREVIDENCIÁRIAS.
E o artigo 19 incia a legislação desse processo de
reequilíbrio de Plano de Benefício desequilibrado, focando na norma legal da
RESERVA PREVIDENCIÁRIA, não apenas porque é o mais importante dos diversos
tipos de ATIVO, mas também porque, em um Plano de Benefícios bem administrado,
as RESERVAS CONSTITUEM A QUASE TOTALIDADE DO ATIVO. Ei-lo: “Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas
terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter
previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei
Complementar.”
É patente que essa norma legal contém um mandamento e
uma proibição. Eles ficam evidentes, se dermos a esse artigo, outra forma que
reputo replicar fielmente a do artigo, a saber: “Contribuição, que é separada
como Reserva, é separada para ser gasta no pagamento de benefícios
previdenciários e, por isso, não pode ser gasta no pagamento de outros compromissos,
como por exemplo, de Reversão de Valores.” Existirá algum jurista que ouse
negar que é esse o conteúdo completo da imposição legal do artigo 19?
Estabelecidos esse mandamento e essa proibição, e
tendo presente o mandamento do artigo 18 (obtém-se o equilíbrio do ativo com o
passivo flexionando-se o valor da Contribuição), o artigo 20 passa a DETERMINAR
COMO QUER QUE SE FAÇA O REEQUILÍBRIO DE UM PLANO DESEQUILIBRADO POR EXCESSO DE
RESERVAS:
- Reservas em valor igual ao valor dos benefícios
contratados (Plano de Benefícios equilibrado) são RESERVAS MATEMÁTICAS, o valor
da Contribuição não precisa ser alterado, nem providência outra precisa ser
tomada;
- Reservas excedentes de até 25% o valor das Reservas
Matemáticas, não se faça modificação
alguma no valor da Contribuição nem se tome qualquer outra providência e
considere-se esse excedente como reforço de garantia do equilíbrio das Reservas
Matemáticas com o valor dos benefícios contratos: permanecem no Plano de
Benefícios como RESERVA DE CONTINGÊNCIA;
- Reservas excedentes a 25% das Reservas Matemáticas,
seja de que valor for, podem permanecer no Plano de Benefícios, desde que o
fenômeno superavitário não ocorra por três exercícios consecutivos, e são
RESERVA ESPECIAL Ocorrendo excesso por três anos consecutivos, a RESERVA
ESPECIAL tem que ser eliminada, o Plano de Benefícios tem que ser reequilibrado, isto é, tem que
voltar ao nível da Reserva de Contingência.
E como se pode processar a eliminação da Reserva
Especial, o reequilíbrio do Plano de Benefícios desequilibrado por excesso de
reservas?
O artigo l8 e o próprio artigo 20 dizem que se pode
operar reduzindo ou até suspendendo a Contribuição. Quando isso é possível?
Quando é a Contribuição que provoca o excedente de reserva. Cessado o ingresso
excedente de Contribuição, a Reserva Especial desaparece com o gasto da reserva
nos pagamentos rotineiros de benefícios previdenciários.
E quando a simples suspensão do ingresso de
Contribuição não elimina a Reserva Especial, porque o ingresso de renda das
aplicações supera o gasto de reservas no pagamento rotineiro dos benefícios
previdenciários? Só existe um outro recurso para processar a eliminação da
Reserva Especial, a saber, aumentar o valor dos benefícios previdenciários.
E por que não é possível eliminar a Reserva Especial
(reequilibrar o Plano de Benefícios) pagando a Reversão de Valores? Por que o
artigo 19 o proíbe: RESERVA (seja ela qual for: Matemática, de Contingência e
Especial) é SEPARADA para ser GASTA no PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS,
NÃO PODE, pois, SER GASTA NO PAGAMENTO DE REVERSÃO DE VALORES.
Aliás, não é exato aquilo que externa a esse respeito
o meritíssimo Juízo Federal, a saber: ¨... seja pela melhoria de benefícios (HIPÓTESE
TAMBÉM NÃO PREVISTA NA LC Nº 109/01). Ela está, sim, claramente prevista no §3º
do artigo 21: “Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao
déficit previsto no caput deste artigo, em consequência de apuração de
responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos
valores deverão ser aplicados necessariamente NA REDUÇÃO PROPORCIONAL DAS
CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AO PLANO OU EM MELHORIA DOS BENEFÍCIOS.”
Aí está claríssimo, só existem duas maneiras de
eliminar a Reserva Especial (reequilibrar Plano de Benefícios desequilibrado
por excesso de reservas), a saber, redução das Contribuições ou melhoria dos
benefícios.” A Reversão de Valores é, pois, ILEGAL, extrapolação de seu mero
poder regulamentador, perpetrada pela Resolução CGPC 26/2008.
E, finalmente, o artigo 21 (ver acima) manda que, em
ocorrendo DÉFICIT DE RESERVA, as Reservas Matemáticas sejam reconstituídas por
aumento da Contribuição (de Participante, Assistido e Patrocinador) ou por
redução do valor do benefício futuro do Participante ou por outra forma (como
empréstimo ou doação).
Entendo, portanto, que o citado meritíssimo Juízo
Federal não apresentou a interpretação correta da LC 109/01 nem argumentação
competente para justificar a legalidade da Reversão de Valores. O argumento do
elenco exemplificativo de hipóteses de revisão do Plano de Benefícios é, na minha
opinião, evidentemente falso.
(continua)
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