quarta-feira, 29 de abril de 2009

106. A Anistia Financeira


Os constituintes brasileiros, parece, pensam ser tão progressistas que formem a vanguarda das frentes avançadas do mundo. Quando trataram dos direitos sociais, procurei demonstrar que perdiam para o utópico Fourier.
Parece que estão agora pensando que inventaram a anistia financeira. As propostas de perdão da dívidas constituíram item indispensável do programa político de todo o candidato a cargo público em Atenas, há cerca de 2.600 anos. Nada há de novo, pois, na atitude dos nobres constituintes brasileiros. Mas, em Atenas, logo se percebeu que a medida não era do interesse público. Entendeu-se que se tratava de proposta demagógica servindo a interesses próprios de ordem eleitoral. Por isso, os atenienses logo promulgaram lei vedando a inclusão de dois itens demagógicos nas plataformas eleitorais, a saber, o perdão das dívidas e a distribuição de terras.
Como foi possível a promulgação de lei com evidente caráter ético antidemagógico? É que em Atenas existia autêntica democracia. Na cidade-estado ateniense, as leis eram discutidas por todos os cidadãos. Todos os cidadãos tinham o direito e o dever de manifestar sua opinião a respeito das leis a promulgar. O povo votava, portanto, segundo seus interesses. E aos poucos, governados por dirigentes sempre mais populistas, eles tiveram condições de experimentar os efeitos antipopulares do perdão das dívidas e da distribuição de terras. Repeliram definitivamente tais artifícios demagógicos.
Havia na cidade-estado de Atenas outra lei muito interessante: a do ostracismo, isto é, exílio para o dirigente que agisse contra os interesses da sociedade ateniense.
Acho que nossa Constituição se tornaria muito progressista e mais perfeita se incluísse duas prescrições, a saber, a do plebiscito para assuntos relevantes, especialmente o acréscimo de tributação, e a de punição para os dirigentes políticos prevaricadores. Nem se alegue que se trata de normas anacrônicas, pois, atualmente nos Estados Unidos, constituições estaduais existem que requerem a aprovação plebiscitária para o aumento de despesas públicas que demandem elevação de tributos.
E afinal de contas, as vítimas econômicas do Plano Cruzado foram todos os brasileiros. Aqueles poucos que se endividaram sob seu estímulo, tomaram empréstimos porque livremente quiseram. Tornaram-se empresários para obter lucro. Mas, o risco é da essência da empresa: ao invés de lucro, pode-se sofrer prejuízo. A grande maioria dos brasileiros, como eu , não quis correr riscos, e por isso não investiu. Por que agora, eu e a maioria dos brasileiros, vamos ser obrigados a pagar os prejuízos dessa minoria, que mais provavelmente faliu por outro motivo, isto é, a incompetência, que assume variegados matizes? O que é a inflação senão a elevação dos preços? E quem aumenta os preços senão o empresário? Como pode o empresário passar por vítima da inflação? Ele ganhou às custas do consumidor e agora quer ganhar novamente às custas do contribuinte.
Quando assisto na televisão aos nobres constituintes, proponentes da anistia financeira, indicar os banqueiros, que foram as principais vítimas do Plano Cruzado juntamente com o povo, que vinha ousando poupar neste país de esbanjamento, para financiadores do provável calote constitucional, a sua estatura de homem público se apouca em meu espírito. É que ela se contrapõe explosivamente à resposta de Péricles àqueles que, reputando exageradas as despesas com a reconstrução da acrópole de Atenas, o questionavam sobre a fonte das recursos: “Se a fortuna de Atená Partenós não for suficiente, eu as pago com meus próprios bens...” Por que os constituintes favoráveis à anistia financeira não incluem na norma constitucional que ela será bancada com os recursos deles?
(Publicado no "Jornal do Brasil", Rio de Janeiro, em 29.06.88)

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