sexta-feira, 13 de março de 2009

60. Mensagem a Meus Amigos 2 (a pedido, conclusão)


Prefiro a Neurociência ao Espiritismo. Acho que mente e cérebro se identificam. Acho que a mente (o conhecimento) é um produto do cérebro. Acho que o cérebro é uma fábrica com muitos produtos. Sua matéria-prima é a informação: a onda eletromagnética de comprimento específico (visão), a vibração aérea de comprimento específico (ouvido), a molécula orgânica específica (olfato e paladar), a pressão e o calor (tato). A partir disso, as áreas sensoriais do cérebro criam uma idéia do que está situado fora. Essa percepção básica não é o produto acabado do cérebro. O constructo final é uma percepção investida de significado. Os significados que vinculamos às nossas percepções são geralmente úteis - transformam meros padrões de energia em objetos que podemos usar, pessoas a quem podemos amar e lugares aonde podemos ir. Mas, algumas vezes, são enganosos: a poça de água no deserto se revela uma miragem; o homem com machado no canto escuro, uma simples sombra.
Cada órgão realiza essencialmente a mesma tarefa: traduz seu tipo particular de estímulo em impulsos elétricos. De fato, em vez de discriminar um tipo de input sensorial de um outro, os órgãos dos sentidos os tornam mais parecidos. Esses córregos de impulsos elétricos mais ou menos indiferenciados entram no cérebro onde se transformam e um córrego passa a ser visão, outro audição, etc. simplesmente porque estimula neurônios diferentes e circuitos neurais diferentes.
Cada córrego percorre no cérebro caminhos neurais diferentes e é dividido em vários córregos diferentes, processados em paralelo por diferentes módulos cerebrais. Alguns desses módulos estão no córtex cerebral e tornam essa sensações (visão, audição, etc) conscientes. Outros estão no sistema límbico que, gerando reações corporais (contração das artérias, liberação de hormônios, etc), lhes conferem qualidade emocional (a beleza do som, a beleza do desenho, o sabor da comida, etc).
Cada área cortical própria de cada sentido dirige seu córrego de informações, agora já por ela processadas, para as áreas de associação, onde as percepções sensoriais são reprocessadas conjugando-se com informações outras de experiências anteriores armazenadas (percepção de faca associada a de comer, cortar, etc), e tornam-se percepções plenamente desenvolvidas, significativas. O que temos agora na mente foi desencadeado por estímulos do mundo exterior, mas não é um reflexo fiel daquele mundo - pelo contrário é uma construção ímpar. O cheiro da maçã só existe em minha mente e dizem as hipóteses dos cientistas que, abstraída a percepção mental, nada mais é, fora da mente, que a reação química de átomos da flor em conúbio com átomos das narinas!... Todo conhecimento é uma reação original, com propriedades específicas, da mente. Só a mente possui esse tipo de reação, esse tipo de comportamento.
Todo cérebro constrói o mundo de maneira ligeiramente diferente de qualquer outro, porque cada cérebro é diferente. A visão de um objeto externo variará de pessoa para pessoa porque não existem duas pessoas que tenham precisamente o mesmo número de células de movimento, células sensíveis ao vermelho ou células de linha reta. Em cada caso, os dados brutos em geral serão muito parecidos, quase idênticos, e, por isso, a imagem construída pela consciência não é absolutamente idêntica.
Uma paciente disse ao psiquiatra, quando lhe ouviu o nome (Richard): Seu nome tem gosto de chocolate. Quando ela ouvia o nome Richard, ela não ouvia, ela sentia o sabor de chocolate. Ela sofria de sinestesia: o embaralhamento das sensações. Essas pessoas são doentes, porque são anormais. A maioria das pessoas ouve com o ouvido e saboreia com o paladar. Ouvir com o ouvido é o voto da maioria, por isso, é o normal, é o saudável. Em última análise, isso é o normal, isso é o saudável, porque isso nos fez melhor adaptado ao meio ambiente, permitiu que os indivíduos de nossa espécie proliferassem de forma dominante e até eliminassem os indivíduos de muitas outras espécies. É lei darwiniana da seleção natural.
Cada um cria o seu universo. Cada um tem um universo na cabeça. Cada um vive, se movimenta e se relaciona no seu universo. Em geral, esses universos são muito parecidos, apesar de divergentes em milhões de minúcias. Outros universos são muito diferentes: são os universos, por exemplo, de pessoas que vêem, ouvem e se relacionam com espíritos e experimentam fenômenos incomuns e extraordinários. Nos meus tempos de seminário, um padre do seminário onde eu estudava Filosofia, dialogava constantemente com a Santíssima Trindade. Os escritos de Santa Tereza, a grande santa mística, comprovam que o orgasmo pode coexistir com o êxtase místico.
Ele era confessor de uma freira que, desde a infância, convivia constantemente com o anjo da guarda e este, entre muitas outras coisas, certa vez, numa sessão de cinema, cobriu-lhe os olhos com as penas das asas, para que ela não visse uma cena sensual. Outra vez, retirou-a de uma festa de carnaval para onde o demônio a levara. Ela estava tão familiarizada com o anjo da guarda que se surpreendeu ao saber que as pessoas normalmente não o vêem nem com ele falam. Tenho um colega de seminário que, segundo me insinuava, foi confrontado cara a cara com o demônio.
Posso afiançar que em minha vida nunca aconteceu nada de extraordinário.

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