quinta-feira, 5 de março de 2009

52. Mensagem a um Amigo (a pedido)


Transmigração

Sob certo aspecto, temos três cérebros: o dos répteis, o dos mamíferos e o humano. O dos répteis é constituído do tronco cerebral unido aos olhos e ao olfato. Funciona automaticamente. O olfato é o sentido principal dos répteis. O cérebro dos mamíferos é o dos répteis acrescido do sistema límbico, o sistema da sobrevivência. Não funciona automaticamente, mas funciona sem consciência, isto é, conhece, mas não sabe que conhece; reage, mas não sabe que reage. É o sistema dos apetites, dos impulsos, das emoções e dos sentimentos. E, finalmente, o cérebro humano é constituído do cérebro dos mamíferos, mais o lobo frontal. Esse lobo frontal no homem ocupa um terço do cérebro. O lobo frontal é responsável pelo pensamento, pela consciência, pelo autoconhecimento, pelo planejamento e pela moralidade.
Qualquer um desses três cérebros nada mais é do que uma central de conhecimento, um equipamento de informação (informática), que orienta para a sobrevivência individual e da espécie. Ele perscruta o meio-ambiente, avalia o que serve e o que não serve para a sobrevivência, e comanda a reação de aquisição do que interessa ou de rejeição do que não interessa.
Dessa forma, devemos considerar o sistema límbico, como equipamento de conhecimento. Trata-se de conhecimento emotivo. Não é o mesmo conhecimento do lobo frontal, já que este é conhecimento sem emoção, mas é conhecimento consciente (sei que sei). O conhecimento do sistema límbico é força, é reação, é movimento. O conhecimento do lobo frontal é mera informação, é contemplativo. O conhecimento do lobo frontal é fiscalizador, é controlador, é social, é moralizador, isto é, estabelece normas de sobrevivência no grupo, na sociedade. O conhecimento do lobo frontal, o pensamento cognitivo, vê o indivíduo em suas relações com o meio-ambiente, inclusive e sobretudo com os outros indivíduos humanos.
É curiosa a anatomia do cérebro humano. Uma trouxa de neurônios, separada ao meio, hemisfério esquerdo e hemisfério direito, e amarrada por baixo, assenta-se sobre o cérebro dos mamíferos. Os três cérebros se interconectam de tal forma que podem funcionar sozinhos ou em conjunto.
E aí está a explicação de um conjunto enorme de fenômenos anormais, mas que para a ciência são absolutamente naturais e materiais. Se a corrente de impulsos elétricos neurais, originada nos olhos, atingia o lobo occipital e chegava até a amígdala (o órgão do medo), mas não atingia o lobo frontal, porque as conexões nervosas foram rompidas, o soldado da primeira guerra mundial do século passado via a bala que vinha em sua direção, tinha medo dela, e corria desviando-se dela, sem saber que fugia de uma bala: ele via a bala e não sabia que via a bala. Nenhum espírito o desviava da bala.
Antes do século XIX, pessoas com a síndrome de Tourrette (gesticulam, fazem caretas, muitas vezes horrendas, movimentam os braços, dão saltos, gritam coisas incongruentes, sacodem a cabeça) eram tidas como possuídas pelo demônio. No início do século XX, esse fenômeno passou a ser conhecido como uma doença que tem origem no putamen, pequeno núcleo de neurônios do sistema límbico, responsável pela memória de movimentos automáticos e inconscientes aprendidos, como pedalar bicicleta.
Os neurocirurgiões, em casos de epilepsia gravíssima, cortam as conexões nervosas entre o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito. Cada hemisfério, então, passa a funcionar independentemente. O comportamento, então, passa a ser como se o indivíduo tivesse duas pessoas dentro dele: uma mão se veste e a outra se despe; uma mão escolhe uma gravata e a outra a joga para longe, etc. Isso ocorre também em casos anômalos, provocados por doença.
Joana d'Arc ouvia vozes que lhe diziam: "Vai, filha de Deus, vai!" Ela e muitos franceses acreditaram que era a voz de Deus. Os franceses partidários dos senhores feudais ingleses e a Igreja solidária com esses príncipes acharam que ela era uma feiticeira e a condenaram à morte na fogueira. Hoje a ciência sabe que o excesso de dopamina, em razão ou de doença como a esquizofrenia ou em razão de drogas, produz alucinações de todos os tipos, entre elas a da audição de vozes.
A estimulação do lobo temporal produz a proximidade com Deus e visões de natureza mística. A estimulação da região do lobo frontal responsável pela percepção da objetividade gera um estado psíquico tal que o indivíduo confunde a subjetividade do fenômeno com sua objetividade. Há pessoas que asseguram que passaram a tarde vendo da janela bois pastando no terreno defronte, quando se sabe que nada disso aconteceu.
A estimulação da região limítrofe entre o lobo occipital e o lobo parietal, no local exato onde produz a sensação do espaço, provoca a sensação de desgarrar do corpo, de viajar pelo espaço exterior ao corpo, de se contemplar o próprio corpo e de vaguear pelo meio-ambiente.
Existe uma anomalia de memória que provoca o "déjà vu". Isso eu já vi, ou nesta terra no passado, ou noutra vida, noutra encarnação... Há até um famoso escritor norte-americano que escreveu romances explorando este fenômeno psíquico.
O filme uma "Uma Mente Brilhante" relata a vida de um dos ganhadores do prêmio Nobel de Economia. Autista e com uma mente genial para a matemática e as ciências, ele convivia com coisas e pessoas que não existiam, como se fossem reais. Compartilhou anos o mesmo quarto com um colega universitário, que nunca existiu, e com ele até teve uma briga projetando uma escrivaninha através de uma janela de vidro do quarto no campus universitário, fato que jamais ocorreu. Serviu durante anos a espiões russos, com quem convivia, fato que nunca ocorreu também.
Os fenômenos, com que se tenta comprovar a reencarnação, parece-me, podem ser explicados pela ciência, o melhor conhecimento produzido pelo lobo frontal do homem. Trata-se do conhecimento experimental e com precisão matemática. É um conhecimento débil, mas o melhor que o homem possui, afirmou Einstein. Eles se explicam por anomalias do funcionamento neural, sobretudo pelo funcionamento do sistema límbico desconectado do lobo frontal. Em seu aspecto geral, trata-se, por um motivo qualquer, da impotência do domínio funcional do lobo frontal. Não pretendo gerar polêmica. Apenas expresso a minha opinião, a pedido de amigos.
Essa nova metodologia do estudo da mente na sua própria subjetividade viva, utilizando equipamentos da moderna tecnologia, como a tomografia, a ressonância magnética e o computador, pretende construir a Neurociência, que vem roubando o espaço especulativo da psicanálise freudiana, que sempre esteve sob suspeita dos neurologistas, e apresentando um estudo global da anatomia e fisiologia cerebral, bioquímica neural, neurologia, psicologia e psiquiatria.
Outros querem explicar aqueles fenômenos pela reencarnação, uma explicação que tem sua raiz no sistema límbico, porque um tipo de conhecimento emotivo, que brota do sentimento de angústia, que tem na crença uma âncora espiritual tranqüilizadora. São pessoas que pensam à moda do genial Pascal e do romântico Rousseau: pensam e sentem.
No caso particular dessa mensagem eletrônica sobre a qual estou fazendo estas reflexões, recuso-me a aceitar, como uma reação espontânea do meu sistema límbico, um sentimento de aversão, a hipótese de que as pessoas mais caras para mim, possam ter sido algum dia objeto de minha repulsa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário