segunda-feira, 30 de março de 2009

77. O Congelamento de Preços



No mundo ocidental, surgiu uma civilização deliberada a viver na riqueza. Adam Smith explicou a riqueza como produto da atividade humana. E achou que a liberdade é condição necessária para que o homem produza a riqueza. Ele pensava na liberdade política: a atividade humana, inclusive a de produzir, não pode ser coarctada pela vontade dos que governam. O Estado, a máquina opressora da sociedade, não deveria interferir na economia, isto é, na atividade humana de produzir riqueza. Ao rei que indagava como agir para tornar rica a França, François Quesnay redargüiu: nada faça.
Os interesses da sociedade e do indivíduo não são conflitantes. A sociedade é o meio que os indivíduos encontram para produzir mais, ter mais riqueza e viver melhor. Cada indivíduo produz o que sabe fazer melhor e troca o seu produto pelo dos outros. O desejo de viver melhor, de ser rico, leva à especialização, à cooperação e à sociedade.
O fato de trocar produtos é o mercado. O mercado é o conjunto de trocas livres. A troca livre se concretiza quando dois indivíduos atribuem o mesmo valor aos objetos que trocam. Enquanto não é alcançado esse consenso, a troca é inviável. Esse valor é o preço. O preço de consenso é o preço de troca, é o preço de mercado. No preço de troca, os interesses de ambos se conciliam: ambos ganham. No mercado, existe número incontável de trocadores. Cada trocador tem a sua necessidade e, por isso, atribui o seu valor a cada objeto. A média resultante dessas valorizações individuais é o preço de mercado. O preço começa como ato pessoal e acaba como valor impessoal, porque resultante da vontade de todos os indivíduos. O mercado livre e o mecanismo de preços são prerrogativas de sociedade de indivíduos livres e dignos, que querem viver melhor e enriquecer, que sabem o que querem, e querem decidir soberanamente o seu destino.
O congelamento de preço não acaba com o mercado inteiramente. O Estado, o instrumento social opressor das vontades individuais, respeita o valor que os indivíduos atribuem aos objetos, desde que não se eleve acima de um valor que o Estado julga correto. Acima desse valor, o Estado acha que a troca beneficia mais a um indivíduo que a outro. Até esse preço de congelamento, os indivíduos podem estabelecer os seus próprios preços de troca. O congelamento de preços é a imposição da vontade dos governantes, isto é, dos homens que detêm o poder opressor da sociedade sobre a vontade dos indivíduos. É a prevalência do critério e da vontade dos que têm a força social sobre a avaliação, a vontade e a decisão dos indivíduos em contratos do seu interesse.
Mas, o congelamento de preços desmantela o mecanismo dos preços. É óbvio que o preço congelado se acha em nível inferior àquele que equilibra a demanda com a oferta. E sempre provoca o excesso da demanda sobre a oferta.
O congelamento dos preços é uma violência contra o mercado, contra a liberdade individual e contra a propriedade privada. Despojando os empresários do lucro natural do negócio, desestimula a produção e o comércio. Os interesses contrariados dos produtores dão oportunidade à estocagem e à sonegação. O congelamento gera a escassez. Diocleciano, imperador de Roma, tornou-se famoso exemplo histórico da escassez provocada pelo congelamento de preço com o édito do ano 301 da Era Cristã. Generaliza-se a marginalidade econômica. Grassa a especulação e o ágio. Recrudesce a fiscalização e o castigo. Agiganta-se o sistema repressor do Estado. O congelamento é menosprezo à inteligência daqueles cujos interesses são por ele contrariados.
Na sociedade consumista dos tempos presentes, ir às compras constitui um dos maiores divertimentos do indivíduo. O congelamento de preços violenta tal hábito. Repugna passar antes pela delegacia de polícia, sempre que se for ao supermercado.
Galbraith advoga que a política econômica do tempo de guerra seja imposta no tempo de paz, sempre que ocorra inflação desenfreada. Isso implica o congelamento de preços. Acha que, no mundo atual, o congelamento é facilmente aplicável sem o risco da escassez com suas seqüelas indesejáveis, já que o poder econômico, concentrado como está nas poucas grandes empresas e nos sindicatos, pode ser sem dificuldade controlado.
O congelamento não erradica a inflação. Reprime-a e disfarça-a. Cedo ou tarde, cessada a pressão estatal, a inflação reaparecerá. Menos forte, alega Galbraith com exemplos da História.
(Escrito e publicado em 1986)

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