sábado, 7 de março de 2009

54. Mensagens a Meus Amigos 2 (a pedido, continuação)


No século VI AEC, a Índia passava por uma crise social. Era a transição de populações que viviam em regime tribal para a vida em impérios. Havia crise moral e violências. Havia também uma efervescência intelectual. Havia escolas e salas de filosofia. Predominava o ceticismo. Havia filósofos que demonstravam a inexistência dos deuses e a inutilidade da virtude. Havia os que riam da crença na origem divina dos Vedas. Inexiste a verdade absoluta, porque não se pode garantir que o verdadeiro no passado possa continuar verdadeiro no futuro, já que tudo muda. Além do mais, só existe o sensível e o sensível é mudança. Assim, nem alma nem átmã existem. Todos os fenômenos são naturais. As intromissões de deuses e espíritos são mera invencionice. A religião é uma monstruosidade. A hipótese de deus é inútil para a explicação do mundo.
Nessa época nasceu um rapaz, de família rica, que aprendeu dos pais que a reencarnação era um grande mal e o suicídio um bem que liberta da reencarnação. Já rapaz assistiu ao suicídio dos pais por inanição. Foi, então, que se despojou de tudo, inclusive das roupas, e saiu nu vagando pelas terras de Bengala, numa vida ascética, em busca da libertação da samsara.
Reuniu um grupo de discípulos, que lhe atribuíram o nome de Mahavira (o Grande Herói), e se reservaram o de Jain. Ao cabo de um período de jejum prolongado, obteve a libertação e a iluminação total, o kevala, um estado de pleno, claro e livre conhecimento e intuição. Tornou-se uma alma perfeita. Atingiu a onisciência. Libertou-se do carma. Segundo seus seguidores transformou-se num Conquistador, um Jina, grande mestre, que o Destino fazia aparecer na Índia intermitentemente para iluminação do povo. Morreu por inanição, em Pava, ainda hoje um grande centro de peregrinação jainista. Entrou, assim, no Nirvana, o descanso final.
Organizou um clero celibatário e uma ordem de freiras. Tem ainda hoje seguidores que andam nus (vestidos do céu ou de espaço) e seguidores que usam roupas (vestidos de branco)
O jainismo acredita na existência de um número infinito de almas (jivas, mente) e não-almas (ajivas, matéria) com infinitas características individuais cada uma. O samsara decorre do número infinito de almas, que habitam o universo e produzem o fluxo ininterrupto do nascimento, morte e renascimento. O mundo é eterno, resultado de um número infinito de ciclos de expansão e retração.
A verdade é relativa, depende do contexto em que está inserida. Assim, o mundo é rigidamente determinado, mas o indivíduo determina o seu próprio destino. O Conhecimento é um privilégio do Nirvana. A alma é consciência e conhecimento. No seu estado original, a alma tudo sabe. No estado atual, o conhecimento é imperfeito e incompleto em razão da matéria.
Há cinco níveis de alma: a alma de um só sentido, o tato (os quatro elementos e o reino vegetal); a alma de duplo sentido, o tato e o paladar (vermes e conchas); alma de triplo sentido, o tato, o paladar e o olfato (formigas, percevejos e mariposas); alma com quatro sentidos, o tato, o paladar, o olfato e a visão (vespas, gafanhotos e borboletas); alma com cinco sentidos (seres infernais, seres celestiais, animais superiores e humanos). Passa-se de um nível para o outro, de acordo com as leis do carma.
O jainismo, portanto, admite a lei universal do carma, a transmigração e o renascimento. As más ações revigoram o carma. As boas ações enfraquecem o carma. A vida ascética, o sofrimento deliberadamente procurado, também enfraquece o carma e auxilia na consecução da iluminação. Assim, libertada da matéria, a alma adquire leveza e ascende ao ponto mais alto do universo, para o descanso eterno no nirvana.
O jainismo é ateísta. Não existe deus, nem criador, nem provedor do universo. O mundo é um lugar de sofrimento, jamais compensado pelos momentos alegres de que se usufrui. Poucas almas se encarnam numa matéria humana. Por isso, deve-se aproveitar a oportunidade para se conseguir o devido conhecimento, a devida fé e a devida conduta.
A principal norma de conduta é a não-violência: não fazer mal a nenhum ser vivo, o ahimsa. Não se pode matar animal algum. Já se descreveu da seguinte forma a vida de um jainista: "O bom jain refugava o mel por ser ele a vida das abelhas; filtrava a água para separar dela qualquer pequena vida que contivesse. Velava a boca de medo de aspirar e matar organismos impalpáveis que boiassem no ar. Resguardava a luz das lâmpadas para que nela não morressem as mariposas. Antes de dar um passo varria o chão para não pisar alguma pequena vida incauta. O jain nunca matava ou sacrificava um animal;... a única vida que ele podia destruir era a sua."
Só o suicídio pela inanição era permitido, e até louvável como a vitória do espírito sobre a vontade de viver. Sentir prazer é pecado. A indiferença ao prazer e à dor é um ideal. Gandi foi muito influenciado pelo jainismo.

(continua)

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