sábado, 14 de março de 2009

61. Mensagem a um Casal de Nubentes 1


A comunicação de casamento foi por mim recebida como honrosa consideração de vocês e suscitou-me sentimento de especial estima e carinho, bem como um voto muito forte de felicidade para o jovem casal.

Penso que a existência humana tem quatro balizas principais: o nascimento, a profissionalização, a opção pelo estado civil de casado ou solteiro, e a morte. O nascimento e a morte são duas balizas irremovíveis. As outras duas dependem da extensão da história individual.
O nascimento marca geneticamente cada indivíduo com o DNA e define a família cuja cultura promove a formação do organismo, sobretudo da mente, isto é, do sistema nervoso, cujos bilhões de neurônios e trilhões de sistemas, dendrites, espinhas e sinapses se desenvolvem, sobretudo até os 10 anos, formando a originalidade, a unicidade, que é cada indivíduo humano. Ninguém é consultado para nascer. Todo o indivíduo surge da vontade de outros indivíduos, sob o consentimento da sociedade humana, como mais um elemento supostamente bem-vindo para a sua renovação e constituição. Aí, nessa originalidade que conhece e quer, produzida sem consulta pela sociedade humana, suponho eu residir o fundamento biológico do direito à vida, à liberdade e ao respeito, respeito esse que me parece a característica fundamental das relações sociais e do direito. Tudo isso vai acabar desaguando na história única, original, que é cada indivíduo humano, do berço ao túmulo.
Outra baliza importante na vida do indivíduo, a profissionalização, marca o momento da responsabilidade e da autonomia individual. Cortam-se amarras familiares. Inicia-se a grande aventura individual. Passa-se a criar a própria história e a assumir sozinho os próprios riscos. A originalidade genética sob a ação cultural da família tem influência decisiva sobre esse momento, no sentido em que proporciona o surgimento das habilidades individuais: o cantor, o músico, o dançarino, o artista plástico, o cientista, o carpinteiro, o marceneiro, o torneiro mecânico, o médico, o advogado. Piaget diz que os três primeiros anos do indivíduo são decisivos na sua existência. Outros neurocientistas afirmam que até os 10 anos a mente, o cérebro, assume os seus marcos definitivos de originalidade. Outros postergam essa formação para a idade dos 20 anos. Vocês optaram pelo Direito. A venda ocular da deusa da justiça sempre me intrigou. Ela a assume para fazer justiça ou injustiça? Ludwig von Mises, juntamente com Hayek mestre da economia neoclássica, em seu livro sobre o socialismo, afirma que as leis existem, não propriamente para fazer justiça, mas exatamente para promover a paz. A advocacia e a magistratura tentam fazer justiça, nem sempre conseguem alcança-la, mas a decisão definitiva da justiça deve propiciar um processo de pacificação. Vocês são, sobretudo, promotores da paz.
Baliza mais importante da vida individual é para mim a opção pelo estado civil. Ela atrela um indivíduo a outro indivíduo. Há 40 anos, essa união era considerada indestrutível. Atualmente, admite-se que seja episódica. Seja como for, são duas originalidades que se unem, e até certo ponto se fundem, para construir uma felicidade comum! Que hercúleo e surpreendente projeto! Mais ainda surpreendente, quando se ousa assumir a responsabilidade de oferecer à sociedade outras originalidades humanas, sem qualquer consulta aos filhos. Essa tarefa, sobretudo se ela é desejada como projeto comum indissolúvel, exige muito amor mútuo, exige que sempre se esteja olhando o parceiro, face a face, olho no olho, com inextinguível chama de amor, compreensão e cooperação. Exige a renúncia ao egoísmo, exige a entrega ao outro sem condicionamentos e sem arrependimento. Exige a chama eterna da paixão.
Dessa forma, cada indivíduo constrói a sua história, uma história original, única. Uma história que pode constituir um empreendimento de sucesso e de felicidade, numa família de indivíduos diferentes e felizes, numa sociedade de indivíduos tão diferentes e muito felizes. E o término de cada história será o retrospecto da realização de um projeto original da natureza, de uma trajetória de vida que foi reservada a cada indivíduo e que até certo ponto lhe coube também para ele contribuir com sua liberdade e suas decisões pessoais. Cada indivíduo humano dirá no seu término: esta foi a minha vida, ninguém teve outra igual!
Eis a responsabilidade de cada um para consigo mesmo: que o meu projeto tenha sucesso, gere felicidade para mim e ao meu redor, seja uma história bonita e feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário