domingo, 15 de março de 2009

62. Mensagem a um Casal de Nubentes 2


Em homenagem a este dia, que pretendem constitua o ápice de suas existências, permitam-me tecer algumas reflexões existenciais, que nada revelam de extraordinário nem pretendem ser originais, mas penso sejam oportunas. Constituiriam os meus parabéns por essa data máxima da história do jovem casal, pois não quero simplesmente restringir-me às protocolares felicitações.
Há dois eventos irremovíveis na existência humana: o nascimento e a morte. E há dois outros que, via de regra, lhe demarcam definitivamente o curso: a formatura e o casamento.
Ninguém é responsável pelo próprio nascimento, o mais importante e fundamental evento da existência humana. É um fato determinante do destino individual. E, paradoxal e dramático, ninguém pode ser consultado sobre se quer ou não viver. Via de regra, é uma decisão apaixonada de nossos pais. Por vezes, nem é um fato desejado!... Pode ser até resultado de brutal violência. Seja como for, os grandes dramaturgos gregos preferiam a inexistência à vida. Os espartanos se desfaziam, em geral, das recém-nascidas e dos deficientes físicos. Hitler promoveu a eugenia da raça ariana. Nos tempos atuais, assistimos à admissão legal do aborto dos anencefálicos e dos filhos gerados na violência.
Achamos que a vida humana é o valor máximo da existência, porque a espécie homo sapiens é, em nossa era, o último produto da evolução natural e o mais perfeito e poderoso ser do universo conhecido. Por isso mesmo, achamos que nada há de mais importante e nada pode cercar-se de maior responsabilidade que gerar um indivíduo humano. Acreditamos, por isso, que só tem direito à vida o indivíduo dotado de atributos para a sobrevivência. Ninguém tem o direito de colocar no mundo um ser humano, sem condições previsíveis de se responsabilizar pela própria existência. É inaceitável lançar no mundo um indivíduo, pretendendo que sobreviva pela caridade alheia ou pela esmola. Só merece ser vivida a vida laboriosa e feliz. Nós, afortunadamente, somos computados entre esses privilegiados pela natureza e pela história. Enquanto o homem não descobrir forma poderosa de transformar recursos naturais em alimentos com tecnologia de insignificante custo para o meio ambiente, o planeta Terra não mais tem condições de suportar população humana crescente. Teria já ultrapassado a sua capacidade de reciclagem de recursos e sustentação. Haveria outra possibilidade, se evolução fizesse aparecer outra espécie humana, apta a sobreviver com menor custo para o meio ambiente!... A Humanidade, que hoje existe, está destruindo o meio ambiente para sustentar-se.
Na Antiguidade e na Idade Média, porque a vida era por demais curta, na passagem da adolescência para a juventude, o jovem era emancipado. Realizava-se, então, a solenidade da investidura nas armas. O atlético jovem grego ou romano tornava-se cidadão pleno, responsável por si e co-responsável pela pátria, e, portanto, um militar, arriscando a vida pela realização de um destino individual de riqueza e pela supremacia de sua pátria no concerto das nações conhecidas. Na Idade Média, esse cerimonial tomou a forma da investidura na ordem dos cavaleiros e na classe dos fidalgos. O jovem tomava posse no seu feudo, a extensão de terra de que tinha o domínio, nem que fosse na Finisterra, no fim do mundo. Aí construía o seu castelo, uma morada fortificada, onde abrigava a esposa e protegia a família, e de onde governava todo o feudo, expedindo ordens incontestáveis.
Nos dias atuais, muito mais extensa a vida humana, a emancipação é mais tardia, e ela se traduz ou se prenuncia pelas festas de formatura. Como os jovens de hoje se expandem em demonstrações de alegria, nas festas de formatura! Eles se habilitaram para a sobrevivência! Eles, de fato, se emanciparam! O jovem de hoje, cidadão da sociedade do conhecimento, necessita de uma habilitação exímia, não mais na arte da guerra, mas nas profissões da paz e da civilização. Ele só pode se julgar emancipado, quando tiver adquirido uma habilidade, cujo exercício lhe garanta a sobrevivência.
Ambos vocês são realmente emancipados. Ele, jovem médico. Ela, exímia fisioterapeuta, que projeta tornar-se médica. Nenhuma outra profissão é tão admirável como a de médico. Vocês são artífices da vida, corretores dos desvios e equívocos da natureza. Nas religiões primitivas, o médico era o xamã, o sacerdote tribal. Ele recebia das divindades o conhecimento da cura através dos sonhos, forma de comunicação com a divindade. Os gregos e os romanos pensavam que a cura era um conhecimento divino, propriedade do deus Asclépio, ou Esculápio, que o transmitira aos humanos. Os judeus julgavam, e ainda pensam, que a causa da doença e da morte reside no pecado. A doença e a morte seriam um castigo pelos pecados cometidos pelos homens: os homens honestos não adoeceriam nem morreriam. Os homens só morrem, porque todos seríamos maus.
Paulo de Tarso, o judeu greco-romano, provocou uma revolução na sociedade romana, quando apareceu pregando que o pecado fora expiado pela morte de Cristo e, portanto, não havia mais razão para a morte. Quem acreditasse que Jesus era o Filho de Deus, livrar-se-ia do pecado e, portanto, seria imortal. Em vez de morrer, iria logo tornar-se cidadão do Reino de Deus, que, brevemente, Cristo, acompanhado de toda a corte angelical, viria instalar no mundo. A pregação da imortalidade difundiu a religião cristã pelo Império Romano, com celeridade de um raio. Quem sabe se, vocês, ainda tão jovens, não chegarão a participar, já não dizemos da conquista da imortalidade, mas, pelo menos, graças a tantos previsíveis progressos das ciências biológica e médica, de um prolongamento tal da existência humana, que hoje apenas se apresenta imaginável e sonhado!
A emancipação é apenas a afirmação da individualidade. Passa-se a proceder na conformidade da imagem do mundo que se formou na própria mente. Cada indivíduo tem a sua própria imagem do mundo, semelhante por vezes no conjunto, mas sempre bem diferente das de todos os outros indivíduos em infinitas particularidades. Jovens feitos, não mais nos será imposta a imagem do mundo retratada na mente de nossos pais. A partir daí, toma-se o próprio destino nas mãos e procura-se que a trajetória da vida se conforme ao próprio projeto de felicidade e realização pessoal.
O casamento é um passo à frente. Nós agregamos ao nosso destino o do parceiro ou parceira. É um arriscado projeto de existência a dois, instituído por nossa civilização ocidental cristã. Um projeto de amor e, por isso mesmo, de confiança cega, apaixonada. É uma sociedade que se constrói na fé na palavra e nos atos do parceiro ou parceira, isto é, na fidelidade.
Nas civilizações antigas, em geral, o que valia era o pátrio poder. O homem casava-se com quantas mulheres pudesse sustentar. E as transportava para a própria tribo. Ainda hoje no Islamismo, os homens se juntam a duas ou até a quatro mulheres. Os gregos e os romanos compravam as suas mulheres, permitiam-se as concubinas e até os amores homossexuais. No ambiente atual de amplo liberalismo nos costumes, o mundo ocidental admite os mais diversos e estranhos tipos de companheirismo existencial. Vocês aderiram ao tipo tradicional, o casamento monogâmico com o selo do sacramento católico, que inclui uma solene promessa de cumplicidade amorosa por toda a vida! Que admirável profissão de fé no outro! É a rendição pessoal provocada por paixão tal que impele a crer na fidelidade, até mesmo na adversidade e na doença, até o ponto final da existência!
A cultura cristã ocidental entende que o homem e a mulher nasceram também para garantir a sobrevivência da espécie, através da união heterossexual. Maravilhosos os filhos, desde que compreendamos que somos responsáveis, a cada dia, pela sua educação e formação integral, que os romanos resumiam naquela conhecida máxima: mens sana in corpore sano. Os pais são responsáveis em transformar os animaizinhos humanos em cidadãos, isto é, homens capazes de viver em uma cidade, homens urbanos, homens sociáveis, homens civilizados. Homens civilizados! Quanta coisa em dois vocábulos! Seja como for, não será que no poente de suas existências, ou na época da existência dos seus filhos, não se verá o indivíduo humano gerado e gestado em clínicas do nascimento, produto sem dor da engenharia genética, construído segundo as preferências do casal?! O matrimônio já não mais seria para a proliferação, mas simplesmente para o prazer!
Nessa época futura e próxima, dentro de uma ou duas gerações, a expectativa de vida humana alargar-se-á para mais de cem anos, para cento e cinqüenta ou mais anos. Uma existência com menos doença, mais conhecimento, mais divertimento, mais trabalho, trabalho tecnológico e com menor sacrifício humano. Uma civilização mais laboriosa e mais alegre. Uma sociedade de indivíduos humanos mais felizes! É a realização do projeto original do Pentateuco, os cinco primeiros livros da bíblica cristã, os cinco livros da Tora dos judeus! Não será a imortalidade imaginada por Paulo de Tarso. Mas será uma infinidade de trajetórias de vida vitoriosas, maravilhosas. Admiráveis realizações de ideais pessoais que constituirão uma sociedade humana deslumbrante e sonhada. E cada ponto final de cada trajetória será uma manifestação de honra e orgulho. Um final aceito, tranqüilo, feliz e sem dor! Vocês verão?!
Com os votos do mais feliz caminho a dois, pelos jardins da existência! Até, de tão centenários velhinhos, sumirem serenamente no ar, como pequenos rolos de fumaça branca, nuvenzinhas passageiras, deliciosos sopros de brisa!... Também, a dois, por que não?...

(Escrito em 2005)

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