sábado, 18 de abril de 2009

95. O Livre Comércio


Em 1776, Adam Smith disse que o animal não precisa do semelhante para sobreviver, ao contrário do homem que depende dos semelhantes para a sobrevivência. Pensadores liberais explicam que o agrupamento humano, por menor que fosse, se tornou sociedade, quando surgiu o pensamento no cérebro do animal-homem. A vida em grupo passou a ser o resultado de um ato de vontade: o relacionamento humano querido. O indivíduo compreendeu que precisava do semelhante para subsistir e quis a ajuda alheia. Mente (pensamento e vontade) e sociedade nasceram juntas e juntas se desenvolveram. O homem é um animal social, disse Aristóteles.
Mas, se a ajuda alheia é necessária para que alguém subsista, o meio eficiente de obter essa cooperação não é esperar pela caridade alheia, continua Adam Smith. A forma mais adequada e eficiente é negociar a ajuda alheia, é trocar as coisas que cada um faz e os serviços que cada um é capaz de prestar. É a negociação. É o contrato.
Isso significa que cada um se especializa em produzir aquilo que é capaz de fazer melhor e se trocam mutuamente as produções. A troca acontece quando vejo que o que você produz me convém e você vê que lhe convém o que eu produzo. A troca se dá livremente, porque e quando a vantagem mútua é descoberta. O próprio Marx disse que a divisão do trabalho (a especialização) e o dinheiro (o instrumento de troca) foram as duas maiores descobertas humanas. Marx opôs-se ao mercado livre, mas advogou, até certo ponto, a especialização e o dinheiro.
Estes são os princípios básicos do progresso material e espiritual, segundo a doutrina liberal: individualismo, trabalho, liberdade e cooperação. O liberalismo, portanto, inspira-se numa sociedade de dignidade e responsabilidade individual, de paz, de troca, de vantagens mútuas, de superior padrão de vida de todos os indivíduos. Isso vale para o progresso individual e social. Vale para a família, a cidade, a nação e o mundo. Se eu produzo algo que todos querem, tenho tudo o que os outros produzem mediante a troca, isto é, a negociação. A troca transforma a propriedade privada em patrimônio comum. Nada há de mais oposto à guerra que a mentalidade comercial, pensava Kant.
Essa é a doutrina do livre comércio, que alcançou seu aperfeiçoamento com David Ricardo, ao demonstrar que a cooperação é mutuamente vantajosa, mesmo entre parceiros desiguais, desde que cada um se especialize em produzir o que melhor faz. Nessas condições, a vantagem mútua sempre ocorre, seja qual for o parceiro: igual, superior ou inferior.
A doutrina do livre comércio é a extensão ao relacionamento internacional dos princípios da divisão do trabalho e da cooperação. O progresso mundial se processa através da especialização e da troca livre. Cada nação produz o que melhor sabe fazer dentre aquilo de que as nações precisam. E as trocas se realizam livremente, ao nível das conveniências mútuas. O protecionismo é agressão ao próprio país e à sociedade das nações, porque faz decair o padrão de vida de todos os povos. O protecionismo é o retrocesso nacional e mundial. O protecionismo é inaceitável pela sociedade internacional.
Não há troca internacional sem exportação e importação. Só se exporta para importar. É isso que significa a expressão usual de que comércio é via de mão dupla. Não se exporta para formar reservas cambiais. Reservas cambiais, isto é, acúmulo de moedas estrangeiras é mero poder de compra no mercado internacional. Fora disso, é abstração sem qualquer valor prático.
Os Estados Unidos se apresentam hoje como os defensores da doutrina do livre comércio. Foi lá, porém, que germinou a idéia do protecionismo, sugerida por Thomas Cooper ao Presidente Thomas Jefferson. Foi lá que Friedrich List se abeberou dos princípios que mais tarde, regressando à Alemanha, expôs no mais conceituado tratado sobre o protecionismo. Segundo ele, as vantagens mútuas do livre comércio só acontecem quando as nações são de igual porte econômico. O protecionismo não é vantajoso para a nação subdesenvolvida, para a nação economicamente inferior.
No século passado, Estados Unidos e Alemanha eram países subdesenvolvidos. Inglaterra e França eram países desenvolvidos. Idéias e interesses semelhantes situam-se hoje na base das divergência entre Brasil e Estados Unidos.
(Publicado no jornal "A Libertação", Parnaíba-PI, em 04/10/86)

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