quarta-feira, 22 de abril de 2009

99. O Especulador


Notícia radiofônica recente relata que alto prócer do Governo atribui aos especuladores a inflação incontrolável, refutando que a causa resida no dispêndio público. Ano passado, o Governo fez acusação mais específica contra o especulador da carne de boi. Todos se recordam de quanto a fábula custou ao País.
Já disse que, há quase dois mil anos, o imperador Diocleciano pensava de forma semelhante. Por isso, congelou os preços. Instituiu a pena de morte para os transgressores do congelamento. As mercadorias desapareceram. A inflação não foi dominada. E o divino Diocleciano faleceu vítima de profunda depressão.
A etimologia ensina que o vocábulo latino “specula” significa observatório, lugar de observação, lugar elevado, montanha, pequena esperança, fio de esperança. “Speculabilis” traduz-se por visível, colocado à vista. “Speculari” é observar, espreitar, espiar, estar de observação de um lugar alto, estar com olhos em. “Speculatorius” significa estar de observação, de espia. “Speculator” é observador, espião, batedor , explorador (linguagem militar). “Speculum” é espelho (instrumento de auto-observação).
Especulador, na língua pátria, tem dois significados básicos. Pode ser aquele que age de má-fé, procurando tirar proveito de uma situação, que explora determinada circunstância. Sobretudo aquele que aufere vantagem, valendo-se de certa posição. Outra acepção é a de alguém que pesquisa minuciosamente, em especial oportunidades de negócios para auferir lucros.
Se a origem dos males econômicos brasileiros se situa na má-fé de indivíduos que exploram determinada circunstância, é porque existe situação que dá ensejo a essa exploração. Em sendo assim, atribuam-se os males nacionais a essa circunstância. Eliminada ela, inexiste oportunidade para o exercício da má-fé, para a exploração. E os males nacionais cessarão. A ocasião faz o ladrão, reza o ditado. Além do que, se há alguém valendo-se da posição para obter vantagens, é menos correto incluí-lo no rol dos governados. Em país pobre, a demanda social (as necessidades de gastos da sociedade) supera criticamente a produção que se equilibra com a demanda efetiva (vontade de compra exercida no mercado). É esse o problema fundamental do Brasil.
Quando o Governo pretende resolvê-lo, promovendo o crescimento da demanda efetiva mediante o aumento dos gastos públicos, desequilibra-se a economia tornando a demanda efetiva maior que a produção. Nessa oportunidade, todos os brasileiros reagem automaticamente ajustando novamente a demanda efetiva à produção através do aumento de preços, frustando-se as boas intenções do Governo. São os produtores e os consumidores todos, são todos os brasileiros que são especuladores. Todo indivíduo inteligente e livre é por natureza especulador.
Se todos os dias o Governo altera a regulamentação econômica e a cada seis meses realiza uma reforma econômica, e, ainda pior, penaliza o capital, socializa a empresa e ameaça o capital estrangeiro, é óbvio que a produção se desestimula e o próprio capital nacional evade-se. Se as despesas do Governo crescem continuamente, embora sob a inspiração dos mais humanitários pretextos, como a assistência aos pobres e o reajuste salarial do funcionalismo público, é evidente que os preços subirão para ajustar a demanda à produção estagnada pelo receio de investir. Quando o Governo erige os empregados em sócios da empresa, detendo até poder de decisão superior ao do empresário, os empreendimentos escasseiam e a poupança aflui para a ciranda financeira de curto prazo.
Enquanto o regime econômico nacional for o capitalista, o especulador se faz necessário para descobrir e utilizar as oportunidades de aumento da riqueza própria e da sociedade. Oxalá os negociantes brasileiros consigam o sucesso dos Rothschild que, enquanto Napoleão promovia guerras e destruição, recebiam em Londres em primeira mão as notícias das derrotas de Leipzig e Waterloo, transmitidas por observadores que empregavam os mais rápidos meios de comunicação da época: barcos velozes e pombos-correio. Foi assim que se construiu o grande império financeiro dos Rothschild.
Se alguns videntes de Brasília julgam saber o que é bom para cento e cinqüenta milhões de brasileiros melhor do que cada um deles, e lhes impõem a sua opinião, é claro que cada brasileiro, como especulador que é, vai tratar de se defender como pode. Difícil será que o resultado das ações individuais coincida com os desígnios dos xamãs de Brasília.
Afinal, todo homem é especulador. E todo brasileiro precisa manter um fio de esperança!
(Publicado no ano de 1986)

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