terça-feira, 21 de abril de 2009

98. A Dívida


Ao tempo das realezas, cabia ao povo sustentar a casa real, os nobres e a igreja. Os reis apreciavam aumentar as despesas. Isso desagradava o povo, é claro.
Despesas e receitas deviam equilibrar-se, o que nem sempre ocorria. Os reis conheciam uma fórmula para aumentar as despesas sem sofrer a oposição dos súditos: contratação de empréstimos. Essa fórmula conquistava até o entusiástico apoio da nação toda, como foi o famoso caso de John Law na França.
Sobre as dívidas da realeza, Jean Baptiste Say expressou o pensamento da Escola Clássica explicando que pessoas respeitáveis se entusiasmam com o crédito público. Mas há virtude mais alta: não contrair dívidas. Deve-se temer que o povo se canse de suportá-las. Os netos poderão julgar conveniente alijar esse fardo. O futuro pode achar razões para exigir contas ao presente. Os descendentes acusarão os antepassados de corruptos, incompetentes, egoístas e néscios.
Com o advento da doutrina liberal, os economistas clássicos passaram a atribuir ao Estado o limitado papel de guardião da paz. Ao Estado compete proteger a sociedade contra a agressão externa, e o indivíduo contra a violência dirigida à pessoa humana e sua propriedade (inclusive o livre mercado). É o Estado guarda-noturno, diz-se ironicamente. Na sociedade liberal, as despesas, e portanto os impostos, são os mínimos possíveis.
No Socialismo, ao contrário, a receita e a despesa pertencem ao Estado, que as administra segundo seu plano econômico central, onde se incluem as receitas e as despesas individuais.
Keynes concebeu a doutrina da economia mista, onde liberalismo e socialismo se mesclam na economia de mercado corrigido pelas intervenções estatais. Ante o prenúncio de inflação, o Estado se empenha na formação de receita excedente sobre a despesa; ante a proximidade da recessão, trata de produzir despesa excedente sobre a receita. A despesa excedente se ampara, é óbvio, em dívidas públicas.
A doutrina keynesiana foi formulada no intuito de inserir estabilidade na economia de mercado. Pretendeu corrigir os males do ciclo econômico, no ápice da inflação e na cava do depressão. Propunha-se acabar a pobreza relativa, como diz Paul Samuelson, a pobreza no seio da abundância.
Utilizada como instrumento de desenvolvimento econômico (para exterminar a pobreza absoluta, isto é, a pobreza de quem é pobre), a política do endividamento público parece ter criado insolúvel problema econômico para muitos países. Nestes casos, penso se aplique o famoso pensamento de Adam Smith: “O que é prudência na conduta do pai-de-família jamais será loucura na gestão do chefe de estado”. É que ou esses países carreiam parcela substancial da renda para o Estado pagar a dívida pública (deixando morrer à míngua o povo) ou a dirigem para o setor privado (pregando o calote nos credores). O Brasil é um país pobre e excessivamente endividado.
Paul Samuelson demonstra como é muito diferente e sério o problema da dívida em moeda estrangeira, cujo pagamento representa êxodo de capital líquido, isto é, sem contrapartida de ingresso de bens. O país devedor se descapitaliza, empobrece.
Seja como for, os credores emprestaram consciente e esclarecidamente. Os devedores assumiram livremente os montantes e as condições dos empréstimos. Os empréstimos foram negociados até o consenso mútuo, isto é, rejeitadas as condições finais, não teriam sido realizados.
Jean Baptiste Say já esclarecia que é grande risco emprestar ao Estado porque, poderoso, não paga em não querendo. Adam Smith relata que a História guarda registro de muitos países que não solveram os débitos. Galbraith recentemente declarou que no século passado os Estados Unidos deixaram de honrar compromissos externos. Anthony Simpson, em “Os Credores do Mundo”, informa que a insolvência americana e a argentina no século passado quebraram a mais poderosa casa bancária inglesa da época, bem como a insolvência alemã na década dos vinte provocou tais danos aos financistas londrinos que repercutiram na depressão mundial de 1928.
Foram e são ótimos, enquanto a liquidação não onera o povo.
(Publicado no jornal "A Libertação", Parnaíba-PI, no dia 10.01.87)

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