terça-feira, 17 de março de 2009

64. A Âncora Social de Lagash


Segundo Will Durant, a civilização sumeriana é a mais antiga civilização da História. Entende-se por História a reconstituição possível dos acontecimentos passados de sociedades humanas, através dos documentos escritos que chegaram até nós. A História é a compreensão, que podemos formar, a respeito da existência de nossos antepassados, através das mensagens que eles nos legaram. Todo documento escrito é uma mensagem para o curto ou para o longo prazo. A palavra sonora é a mensagem do instante presente. A palavra escrita contém sempre em si o sentido do alongamento do tempo. É uma mensagem para o presente que se quer prolongada para o futuro, ou é simplesmente uma mensagem para o futuro. Os sumerianos deixaram as suas mensagens para a posteridade gravadas em tijolos de barro.
Encanta-me saber, através de Will Durant, que o rei Urukagina, da cidade-estado Lagash, se orgulhava de governar uma população livre, onde a lei não permitia a exploração do pobre pelo rico, nem da população pelos sacerdotes. Teria sido o primeiro rei a desonerar certas atividades de tributo. Não tolerava que os sacerdotes extorquissem os bens, nem os taxassem, nem invadissem as propriedades de mães de família pobres. Afirma aquele historiador que as leis de Urukagina compõem o mais antigo, sucinto e justo código de leis da História. Teria sido o primeiro lampejo de uma sociedade organizada num espírito de liberdade e igualdade.
Esse rei conquistou um nome imorredouro e memorável na História, em virtude exatamente disso porque, apesar da limitação da cultura humana naquela época, ele possuía a percepção excepcional de uma sociedade humana, de uma cidade: um lugar de convivência pacífica, útil e agradável. Não pode ser outra. A cidade não pode ser uma rinha. A cidade não pode ser coesa pela coação. A argamassa da sociedade consiste, no mínimo, no respeito mútuo, se não puder atingir a valorização do outro. A coação é sinal da destruição da convivência. É a confissão da tensão social. É tentativa de anular a força de desagregação que se sabe existir. A coação é a confissão da insociabilidade, da desunião.
A preocupação desse rei com as mães de família e as viúvas, naquela época do albor da civilização, quando sou obrigado a compará-la com o tratamento que a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, cinco mil anos decorridos de História e de Civilização, dá às viúvas dos funcionários, provoca-me profundo sentimento de inconformismo com essa manifestação de insensibilidade humana, para dizer o mínimo. Não posso admitir que, em pleno século XXI, depois do século do Estado do Bem-Estar Social, se concorde com essa deprimente situação vexatória onde se lançam tantas viúvas indefesas, quando a Previ detém recursos para remediá-la, e até para outras finalidades que não parecem tão condizentes com a natureza do Fundo, como a de acrescer os lucros do Banco do Brasil e do Governo.
Mas, não é propriamente isso que quero ressaltar nesta reflexão. O que me interessa agora é focar na fonte de onde surge esse lampejo maravilhoso de compreensão da sociedade humana. Séculos depois, outro rei de Lagash, Gudea, promotor da religião, da literatura e das artes, repetiu, segundo Will Durant, aquele governo de elevado sentido social para época, promovendo o entendimento e certa igualdade entre os cidadãos: “durante sete anos a serva era igual à ama, o escravo caminhava lado a lado do senhor e em minha cidade o fraco descansava junto ao forte.”
Naquela época, a âncora da organização social era o rei. Na mente daqueles reis de Lagash, a cidade deveria ser um espaço de entendimento, de convivência pacífica, de bem-estar geral. Na mente do rei o principal foco de insatisfação residiria na exploração dos pobres pelos ricos, dos fracos pelos poderosos. A lei foi promulgada para exterminar o foco de uma desagregação social, caso tentasse estabelecer-se. A lei era o meio de realizar o projeto social que existia na mente real. A âncora do memorável projeto social dos reis de Lagash era a mente maravilhosamente, misteriosamente embebida em sentimentos de Humanidade daqueles reis sumerianos. Aquelas mentes parecem que constituíram ilhas resplendorosas de compreensão humana e social.

2 comentários:

  1. Ducaralho! preciso me informar mais sobre essa época, sobre esses reis esses governos , parece q está aí o exemplo q dizem não existir ( o célebre sempre foi assim ) Viva o Rei Urukagina ! Viva Lagash ! cheguei neles pela kundalini e vamos ver onde isso vai dar .... abraço e gracias ED e graças Will Durant!

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    1. É recompensador experimentar a manifestação de entusiasmo por um nível de vida social mais elevado como essa, ante uma mensagem escrita que se deixou gravada exatamente com esse propósito, a de contribuir para refinar a convivência humana!
      Edgardo Amorim Rego

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