quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

4.O Que É Conhecer?




Uma grande verdade é o contrário de outra grande verdade.
Niels Bohr




O Conhecimento na Filosofia Grega.




Tales de Mileto foi o primeiro a tentar explicar racionalmente o que a Natureza é. Foi uma grande verdade.
Nas suas pegadas prosseguiu uma plêiade de sábios gregos. Passados alguns séculos, outro numeroso grupo de sábios gregos, os sofistas, impressionados com tantas explicações desencontradas da Natureza, todas bem fundamentadas e plausíveis, ficaram convencidos de que não existe um conhecimento certo, único, inquestionável, universal, verdadeiro. Segundo esses filósofos, apenas formamos uma opinião subjetiva e pessoal sobre o que é a Natureza. Não existe, portanto, conhecimento certo nem errado. Existe a opinião individual sobre o que é a Natureza. Foi outra grande verdade.


Sócrates não aceitou a versão sofista. Ele achava que existe o conhecimento certo, verdadeiro, sobre o que é a Natureza. Segundo ele, os sábios, que o antecederam, não alcançaram o conhecimento verdadeiro da Natureza por dois motivos: buscavam-no na própria Natureza, onde o conhecimento verdadeiro não está, e usavam método inadequado para atingi-lo. E explicava: o conhecimento verdadeiro está na mente humana, não na Natureza física. E se chega a ele usando o método, que ele chamava maiêutica. Todos os indivíduos humanos nascem com a mente equipada com o conhecimento verdadeiro, o conhecimento certo: as idéias universais, isto é, as idéias existentes, iguaiszinhas, em toda mente humana. Para que se descubram essas idéias que todos os indivíduos possuem na mente ao nascer, segundo Sócrates, é necessário e suficiente utilizar a maiêutica, isto é, o raciocínio investigativo. A investigação racional conduz todos os homens às mesmas idéias, aquelas idéias com que todos nascem, idéias comuns, portanto, a todos os indivíduos humanos, idéias universais. Foi outra grande verdade.


\Platão explicou que nós temos essas idéias universais inatas, porque nós de certo modo já vivíamos, criados que fôramos como Idéias, antes de nascer atrelados ao corpo. É que, segundo Platão, existem dois mundos: o mundo sensível (o mundo material, a Natureza) e o mundo das Idéias. Este mundo das Idéias é o mundo que merece ser chamado de mundo. O mundo sensível (este em que vivemos) é apenas um arremedo daquele maravilhoso e perfeito mundo das Idéias, o verdadeiro mundo. A mente de cada um nada mais é que a Idéia de cada um que, desde a criação do mundo das Idéias, existia no mundo das Idéias. Num determinado instante do tempo, aquela minha Idéia encarnou-se. Eu nasci e esqueci todas as Idéias Universais que antes contemplava. A maiêutica nada mais faz que relembrar as Idéias que foram esquecidas. Foi outra grande verdade.


Aristóteles, discípulo de Platão, não aceitou a explicação do mestre. Realmente é uma explicação muito fantasiosa. Concordava com Sócrates que existe o conhecimento certo, verdadeiro. Mas, Aristóteles não precisava de um outro mundo para explicar o que é conhecimento verdadeiro e como se consegue o conhecimento verdadeiro. O conhecimento verdadeiro, segundo Aristóteles, é um juízo, aquela operação da mente que atribui um predicado a um objeto: o mel é doce (doce predicado, mel objeto). Se o meu juízo corresponde à realidade, ele é verdadeiro, é certo. Se o meu juízo não corresponde à realidade, ele é falso, é errado. A Verdade, a Certeza, está na mente, porque ela é uma qualidade da operação mental, chamada juízo, a qualidade de exata correspondência entre juízo e realidade (objeto, Natureza).
E como se chega ao conhecimento verdadeiro, segundo Aristóteles? Usando-se dois métodos de conhecimento: a indução e a dedução. Através de uma observação rigorosa e correta, consegue-se formar na mente uma imagem sensível exatamente igual àquela do objeto (um indivíduo humano, um cão, a chuva, o rio, etc). As sensações me oferecem uma fotografia fiel dos objetos da Natureza. É o início da indução. Nada está na mente que não tenha vindo dos sentidos: não há idéias inatas. Nisto, portanto, ele se afasta de Sócrates e de Platão.
A razão, outra faculdade da mente e diferente dos sentidos, age sobre as imagens contidas nas sensações e delas extrai a forma, isto é, aquilo que nelas (e nos objetos da Natureza) é comum: animal racional (nas imagens individuais de Pedro, João, etc.), primata antropóide (nas imagens individuais de macacos graúdos). Isso é a idéia (idéia do homem, do macaco graúdo). Uma idéia é a extração da forma (da essência, das propriedades comuns a uma classe de objetos, do que a coisa realmente é). A idéia é a fotografia do objeto, reduzido às propriedades comuns a todo um grupo deles, separadas todas as qualidades individuais. A idéia abstrai de uma classe de coisas as propriedades que lhes são comuns. A idéia é abstrata. É uma abstração. É a parte invariável do objeto, da natureza. É a forma. É a essência. É o que realmente ele é. A idéia universal é o resultado do processo indutivo.
Até aqui tratamos da indução de Aristóteles. A indução é o processo mental de construção das idéias universais. Formadas as idéias, a mente humana passa a raciocinar. O raciocínio é o processo que, segundo determinadas normas, amplia o conhecimento sobre o objeto (a realidade, a Natureza). Através do encadeamento comparativo de juízos rigorosamente corretos, silogísticos, Aristóteles construiu formidável corpo teórico consistente de explicação da Natureza. A Metafísica aristotélica é um conhecimento abrangente da Natureza: conhecimento verdadeiro, conhecimento certo. E nisto Aristóteles concordava com Sócrates: usando-se o método correto chega-se ao conhecimento verdadeiro, conhecimento certo. Aristóteles escreveu um livro, a Lógica, sobre o raciocínio dedutivo correto.
Entre as suas induções fundamentais estava o princípio de identidade (o que é, é; o que não é, não é; isto é, não existe meio-termo entre o ser e o não-ser), o princípio de não-contradição (nada pode ser e não ser, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto). Nada obstante, ele adotou, na base de sua metafísica, o meio-termo entre o ser e o não-ser: o ser é tudo que é (ato, ser em ato) ou pode ser (potência, ser em potência), isto é, o que não é, não é, mas o que é ou é ou pode ser. Esta intuição fundamental da metafísica aristotélica ainda é poderosa em nossos dias. Toda essa discussão mundial e brasileira sobre a utilização das células-tronco na pesquisa médica tem a ver também com essa idéia aristotélica: crença e metafísica, dogma e aristotelismo, Cristo e Aristóteles. Afinal de contas, segundo Aristóteles, desde o primeiro instante do ovo humano produzido no seio de minha mãe, estava lá inteirinho em potência, em potencial, o homem que hoje eu sou. O conhecimento, veremos adiante, por mais lúcido que seja, apresenta sempre nichos de lusco-fusco.
Aristóteles admitia também a teoria geocêntrica do Universo, segundo a qual, quatro séculos depois, Cláudio Ptolomeu elaboraria um esquema explicativo que mereceu mais tarde a adesão das autoridades cristãs. Foi outra grande verdade.


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