domingo, 25 de janeiro de 2009

14. O Valor do Trabalho


Até Adam Smith prevalecia a mentalidade cristã medieval. O trabalho era o meio de alcançar a subsistência, é verdade. Mas, ele continha um aspecto de pena. Ele envolvia sofrimento para pagamento da culpa pelo pecado, pela desobediência às ordens de Deus. Ele não produzia a riqueza. A riqueza era produzida pela Terra, quando Deus mandava a chuva e as condições de solo, climáticas e metereológicas favoráveis. A riqueza era do dono da Terra, daqueles a quem Deus predestinara um feudo, que enriquecia a família do senhor e permitia também destinar aos servos, os trabalhadores, apenas o necessário para subsistir. Era pecaminoso ser negociante: o negociante nunca, ou quase nunca, entrará no reino dos céus, era um ditame popular da Idade Média.
É fundamental notar que na Idade Média, até Adam Smith, não havia uma ciência chamada Economia. A Economia era uma parte da Ética, que, por sua vez, era uma parte da Filosofia, que por sua vez acabara de ser, em grandes áreas, iluminada pela Teologia. Isso, insisto, é importante: a Economia fazia parte da ciência do comportamento humano correto, do socialmente aceitável. Assim, reconheçamos, já existiu uma época em que o relacionamento respeitoso entre os homens, ao menos como norma de conduta e como espírito da época, era consagrado como o valor básico da sociedade. Era até norma divina, eterna, absoluta.
No século XV, Maquiavel desvinculou a Ciência Política da Ética. Queres ser príncipe? Perguntou Maquiavel. Se queres realmente ter o poder político, comporta-te da forma exata que te conduzirá ao poder de uma nação: tem sorte e sê tão cruel com teus concorrentes que os mates não somente a todos eles como também a todos os seus descendentes. Mais ainda, o fim justifica os meios e, em política, o que vale é parecer, o que menos interessa é ser.
Adam Smith, o professor de Ética na universidade da Escócia, já mais tarde, nos meados do século XVIII, simplesmente teve intuição semelhante. Queres ser rico? perguntou ele. Se de fato queres ser rico comporta-te com total liberdade. Sê totalmente livre, não aceites nenhuma ingerência da autoridade estatal nos teus negócios. A liberdade total na Economia não somente te fará rico, como também fará rica a tua nação (porque os recursos da nação serão empregados com a maior eficiência) e também implantará a justiça em tua nação (já que irá remunerar a todos de acordo com sua contribuição para a riqueza da Nação). A mão invisível funcionaria...
E o que cada trabalhador, aqueles que passavam 20 horas do dia trabalhando nas fábricas, ganharia? Exatamente o valor do seu trabalho, respondeu Adam Smith. E qual é o valor do trabalho? David Ricardo, um economista posterior a Adam Smith, respondeu: o necessário para a subsistência, nunca terá o valor de uma vida rica, opulenta.
Outros economistas posteriores responderam que o valor de um trabalhador é a avaliação que o mercado faz do valor do trabalho de alguém no momento em que este alguém quer se empregar, isto é, é o interesse que o patrão tem no trabalho que ele vai fazer posto em relação com a quantidade de mão de obra oferecida. Você vai atender telefone? Quem dentre os mil que querem atender telefone sabe melhor atender telefone e quer receber a menor remuneração? Mas, o patrão também está precisando de um engenheiro que seja capaz de produzir um motor de automóvel movido a energia solar e que tenha desempenho igual aos motores a gasolina. Só existiriam dois no mundo. Então ele está disposto a dividir os lucros de sua empresa, que serão gigantescos, com um desses engenheiros: ele oferece 40% dos lucros.
Na realidade, as coisas acontecem assim desde a época de Adam Smith e, pior, sem qualquer consideração acerca da correção do comportamento dos negociantes. Leia a história da riqueza dos Estados Unidos, em especial dos empresários no ramo de transporte ferroviário: eles usaram todas as falcatruas, inclusive assassinatos. Galbraith estende suas dúvidas até sobre personalidades respeitáveis: “Por outro lado, os homens que lesaram seus clientes ou usuários de seus produtos ou serviços saíram-se muito melhor junto ao público, e suas respectivas famílias conseguiram alta distinção social. Isso se aplica a Vanderblit. Foi o que aconteceu também em outros setores de atividade, onde encontramos os nomes de Rockefeller, Carnegie, Morgan, Guggenheim, Mellon, que fizeram fortuna produzindo a baixo custo, suprimindo a concorrência e vendendo caro. Todos eles fundaram dinastias da mais alta reputação. Todos se tornaram, com o passar do tempo, nomes extremamente respeitáveis.” Reflita sobre os fatos corriqueiros do que ocorre hoje em nosso País.
Veja como não se leva em consideração o comportamento socialmente correto. Para mim, ético é aquele comportamento que permite aglutinar as pessoas, que permite a convivência. O patrão, a que me referi acima, precisa do engenheiro e precisa do telefonista. Se ele quer que a empresa funcione, ele tem que fazer com que ele, o engenheiro e o telefonista convivam harmonicamente, satisfeitos com a sociedade de trabalho. Então, ele e o engenheiro têm também que concordar que devem prover não apenas a subsistência do telefonista, mas de propiciar-lhe uma vida com dignidade: subsistência, é claro, alimentar-se, saúde, habitação, agasalho, e também, instrução e lazer. Afinal, o valor do trabalho do telefonista não pode ser unicamente um valor econômico, ele tem que ter um valor humano, uma vida digna e que mereça ser vivida. O trabalho de todo homem, que realmente trabalhe, tem que lhe proporcionar dignidade e qualidade de vida.
Aliás, os primeiros economistas e também Karl Max colocavam o valor das mercadorias na quantidade de trabalho necessária para produzi-lo. O valor de troca, o valor em dinheiro portanto, eram as horas de trabalho gastas na produção da mercadoria ou serviço. Esse valor ainda é considerado, de alguma forma, nas teorias econômicas modernas, quando se estuda o custo de produção. Não seria ele, na prática comercial, apenas considerado e valorizado a favor do comerciante? Vender abaixo do custo nunca! Mas, em épocas de pouca produção e vasta demanda, ou mesmo apenas de margem de manipulação de preços, de possibilidade de engodo ou de maldosa eliminação da concorrência, esbulhe-se a massa ignara,
Concluindo, o trabalho, antes de ser um ato econômico, é um ato humano. A Economia não pode dissociar-se das convenções morais estabelecidas numa sociedade moderna civilizada. O próprio Charles Darwin não confessou que se inspirou nos escritos tenebrosos de Malthus quando concebeu a idéia da evolução? E Herbert Spencer não consagrou em sua sociologia que os ricos são a raça humana do futuro, que eliminaria da face da Terra a multidão da gentalha pobretona? E onde ficam Aristóteles e Bertrand Russell quando afirmaram que o Homem é um animal social?

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