terça-feira, 5 de maio de 2009

112. Keynes Não Disse


Há trezentos anos, Boisguillebert disse que o gasto é a base da economia. O padrão de vida é alto ou baixo, a satisfação das necessidades humanas é maior ou menor, segundo o nível dos gastos. A satisfação das necessidades do homem moderno reclama elevadíssimo nível de gastos.
Jean Baptiste Say, há duzentos anos, disse que o limite dos gastos é imposto pela produção. O homem não gasta mais do que produz e (afirmação que se tornou síntese da Escola Clássica) gasta tudo o que produz e tende naturalmente a produzir tudo o que é capaz de produzir.
Malthus contestou Say, dizendo que o homem pode gastar menos do que produz, isto é, pode poupar. Segundo Say, tudo o que se produz é gasto em consumo (em bens que se consomem) ou em investimentos (em bens de produção, como máquinas, ferramentas, armazéns etc.). Já Malthus achava que o homem pode sustar os gastos em investimento e, assim, reduzir também os gastos totais da sociedade em bens de consumo.
Keynes, há cinqüenta anos, fez ressurgir o pensamento de Malthus que havia sido preterido pela tese de Say. Keynes retoma também a idéia de Boisguillebert: a economia é essencialmente gasto. Primeiramente, se gasta em bens de consumo: habitação, alimentação, vestuário etc. Os gastos com o consumo seguem determinado padrão. Não costumam sofrer grande variação. Assim, aumentando a produção, o homem eleva o consumo de acordo com determinado padrão. À medida que a produção se eleva, ela excede o consumo em parte. Poupança é essa parte da produção, que excede os gastos em consumo. Quanto maior a produção, maior a poupança. A renda é o principal determinante da poupança. Poupar é função social do rico.
Segundo Keynes, o que se poupa em consumo não é automaticamente gasto em investimento. O homem gosta de conservar a posse de sua poupança. Não quer perdê-la. Quer aumentá-la. Quando ele investe a poupança, esse investimento pode fracassar, reduzindo ou eliminando a produção excedente, ou pode alcançar sucesso, aumentando a poupança. Os gastos em investimentos não seguem um padrão. Eles são oscilantes, segundo se antevê possibilidade de sucesso ou de fracasso. Daí, os ciclos econômicos: pleno emprego ou subemprego, progresso ou retrocesso, inflação ou recessão. Investir é função social do empresário.
Os gastos totais, em consumo e em investimento, constituem a demanda efetiva. A demanda efetiva de Keynes, ou os gastos totais de Boisguillebert, forma a base da economia. Poupança não investida desaparece. A produção encolhe em valor proporcional. A poupança investida cresce e a produção aumenta em valor proporcional.
Segundo Keynes, os gastos são a economia. Os gastos podem ser iguais à capacidade de produção, e isso é ótimo. Podem ser inferiores à capacidade de produção, e isso é mau, é recessão. Podem ser maiores que a capacidade de produção e isso também é mau, é inflação. O mal situa-se na demanda efetiva inferior ou superior à capacidade de produção.
Os gastos totais, ou a demanda efetiva, se originam nas necessidades existenciais do indivíduo. O conjunto das necessidades individuais constitui a demanda social que pode superar a demanda efetiva, já que esta equivale à parte da demanda social satisfeita com a parte gasta da produção. Numa sociedade rica a demanda efetiva costuma eqüivaler à demanda social. É uma sociedade sem crises econômica e social. Numa sociedade pobre a demanda social sempre supera, e de muito, a demanda efetiva. É um sociedade em permanentes crises econômica e social. A demanda social pode ser acirrada pela demanda política, isto é, as classes políticas podem ampliar a demanda social, com o objetivo de realizar os seus ideais de liderança e sua ambição de poder. Isso pode ocorrer numa sociedade rica. Isso freqüentemente acontece numa sociedade pobre. Isso Keynes não disse.
As demandas social e política formam o âmago da atual crise brasileira. A sociedade brasileira e sobretudo as lideranças políticas são os principais responsáveis pela presente crise nacional. A sua solução está nas mãos das lideranças políticas. A crise aí está. A solução pode ser dada ou não. E há pseudo-soluções.
(Publicado no ao de 1987)

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