domingo, 31 de maio de 2009

132. A Vida É Uma Conquista (conclusão)


E se nasce o indivíduo incapaz de conquistar uma vida de qualidade? Em primeiro lugar, acho que o responsável por conquistar qualidade de vida para esse indivíduo incapacitado é dos genitores. É aquele casal que decidiu dar-lhe a vida, decisão que deveria envolver a mais lúcida, a mais consciente, a mais livre, a mais responsável decisão de um Homem! O principal responsável pela educação de um indivíduo é, por isso, a família. É a família que é responsável por sua educação, por torná-lo apto a conquistar uma existência de qualidade. No seio da família o recém-nascido aprende a lição fundamental da existência: a auto-estima, o amor próprio, a base do esforço necessário para conquistar uma existência de qualidade. Na família ele aprende também a segunda lição básica da vida: a convivência, os laços de amizade e amor, o valor fundamental da sociedade.
Na História da Humanidade nem sempre o nascimento representou a conseqüência de consciente decisão de um casal. Por milhões de anos nada mais foi que o resultado de uma atração e relação prazerosa. Já não mais é para a nossa atual espécie humana., cujos indivíduos humanos interagem para forma-la e evoluí-la, ao mesmo tempo que dela recebem a formação e a evolução do indivíduo cujo ser é o seu próprio processo individual de existir. Sociedade e indivíduo, como tudo no Universo, são resultados de recíprocas interações, são momentos do processo universal, que denominamos devir. A sociedade é uma convenção em permanente processo, formada, portanto, pelos cidadãos. Enquanto a educação nada mais é do que a instilação da cultura dessa sociedade na mente do indivíduo em permanente formação, até o último instante de vida. Quem primeiro instila essa cultura da sociedade, na forma da cultura familiar, são os genitores. Assim, cada indivíduo que somos tudo deve à sociedade como afirmou Sócrates naquelas últimas horas de vida, justificando a sua atitude de respeito às Leis de Atenas: Então, após dever-nos o nascimento, o sustento e a educação terás a petulância de argumentar que não é nosso filho e servidor da mesma maneira que teus pais?
Ninguém tem o direito de dar existência a um ser humano, se não tem condições para educa-lo para existência de qualidade. Não se pode contemplar, sem consternação, mulheres ignorantes, morando em um quarto desprovido de tudo, exibindo seis, nove filhos! Não se trata de irresponsabilidade, porque se trata de ignorância.
Já assisti a candidata famosa a governadora e a senadora, afirmar que os pobres têm direito a ter filhos, quantos quiserem, porque ao Governo compete educar os filhos de quem não tem condições de educa-los. Acho que não é bem assim. Ninguém melhor que uma mãe e um pai para educar o filho. Acho que seria uma indignidade colocar-se um filho no mundo e não se responsabilizar pela sua orientação na vida. Acho que a dignidade humana exige de cada um que se responsabilize pelas conseqüências dos próprios atos. . Isso é a base conceitual do Direito Positivo. Não acredito em Sociedade, onde alguns parceiros, ou, pior ainda, muitos, acreditam que podem viver, jogando sobre os ombros dos outros o ônus de suas opções.
Acho que os primeiros responsáveis pela educação dos filhos são os pais. Isso está também incluído naquela frase famosa de Ortega y Gasset: Eu sou eu e minhas circunstâncias. A primeira realidade de uma pessoa é o DNA, metade do pai e metade da mãe. Todos somos metade o pai e metade a mãe! A partir daí todas as circunstâncias, todas as influências intra-uterinas maternas condicionam e dão forma à pessoa humana que alguém será no futuro. Nada mais indicado para educar a prole do que os pais. E a irresponsabilidade, a ignorância e a miséria não educam ninguém. Todos os indivíduos têm o direito e dever de atingirem a maioridade com habilidade suficiente para exercer profissão que lhes proporcione existência de qualidade.
E nesta área reside, a meu ver, a principal e fundamental atividade do Estado, concebido como instituto criado pela sociedade para exercer a delegação da garantia da sobrevivência da sociedade e da pacífica convivência dos cidadãos que a compõem. Principal garantia dessa sobrevivência é a própria Educação, aquela Sabedoria que faz brotar o entendimento e o respeito mútuos, convivência pacífica entre os cidadãos. A ação estatal de repressão, de coação deveria ser, numa sociedade de indivíduos educados, rara, exceção. A garantia de sobrevivência de uma sociedade, de uma nação, deve ser a Educação de qualidade.
Acredito que a instituição penal brasileira é a comprovação do que estou afirmando. No Brasil, em razão da ignorância de vasta área da população, pobre e rica, o crime e a marginalidade não parecem ser exceção. Parece até que, apesar de crime e marginalidade aparentes, sejam de fato aceitos como forma normal de se obter o sucesso material na vida! E os cárceres se acham abarrotados. Neles os indivíduos humanos vivem, em sua maioria, de forma abominável, inaceitável, incompatível com a dignidade humana. Os prisioneiros brasileiros são menos que animais. Os cárceres são torturas. Os criminosos são tantos que até mesmo a Justiça procura encontrar justificativas para soltá-los e a polícia parece nem mesmo interessar-se por manter na prisão todos os criminosos. A imprensa já noticiou até casos em que os presos são deliberadamente soltos pelas autoridades, em razão da falta de espaço físico para a detenção. A Sociedade não tem recursos para se proteger contra os que atentam contra ela.
Por isso, a Educação deve constituir a instituição basilar de uma sociedade, de uma Nação. As famílias devem prover educação de qualidade para os filhos, é verdade. Mas, a sociedade deve oferecer a oportunidade para que todas as crianças, adolescentes e jovens possam adquirir conhecimentos e habilidades para conquistarem uma vida de qualidade. A Sociedade, isto é, todos nós os cidadãos, é interessada na Educação de qualidade para todos, até porque a Educação de qualidade para todos é o instrumento mais eficaz de produzir-se uma sociedade desenvolvida e protegida contra todos os tipos de ataques. Dessa forma, todos os cidadãos terão a sua disposição condições de adquirirem a Educação de qualidade a que têm direito, já que foram postos na existência por vontade alheia. Se a vida, como entendem os economistas, é uma sequência de opções, ninguém, o que é terrível, iniciou-a por vontade própria!... O início da vida é sempre uma dádiva. A permanência na vida nada mais é que uma conquista.
Creio que a Educação de qualidade envolva recursos fabulosos: locais, terrenos, edifícios, livros, aparelhos, móveis, tempo integral de alunos e educadores, formação de educadores e número elevado deles. Jamais pude esquecer a experiência que tive em Londres no ano de 1971. Lá cheguei na noite de uma sexta-feira fria do início de outono, com minha família: mulher e os dois filhos. Na segunda-feira, pela manhã, eu já me encontrava na escola pública do bairro de Goldersgreen solicitando ao diretor que aceitasse meus filhos como alunos. Nenhuma dificuldade. Eles já estão aceitos, disse-me o diretor. E acrescentou: “ As atividades todas se circunscrevem ao recinto da escola. Eles não levarão livros nem cadernos para casa. Não existem deveres para serem feitos em casa. As crianças devem sair da aula, já sabendo o que estudaram ou praticaram. Esse é exatamente o sucesso da tarefa da escola: a aprendizagem. Escola é o local da aprendizagem. É na escola que o aluno aprende, se educa. As atividades começam às 9 h da manhã e terminam às 4:30 h da tarde. Eles almoçam na escola a alimentação que é servida pela escola. Tudo é fornecido pela escola. Passados alguns dias, tive a curiosidade de verificar como o ensino era ministrado aos meus filhos. Fui à escola e permaneci alguns instantes contemplando o que se passava na classe de meu filho mais velho. Ao invés de 32, 40 crianças, sentadas em carteiras enfileiradas na frente de um professor, eu vi grupos de seis crianças sentadas em volta de uma mesa, trabalhando, cada grupo, sob a direção de um educador! A ideia dos CIEPS deveria ser adotada no Brasil. E os educadores dos CIEPS deveriam ser verdadeiramente educadores. Todas as crianças deveriam ser educadas, de modo que ao início da vida adulta todos fossem capazes de produzir e de saber conviver em sociedade. Esse deve ser o objetivo da educação: formar cidadãos capazes de conquistar uma existência de qualidade. Portanto, a educação deve mirar essa meta dupla: formar cidadãos produtivos e cooperativos.
Por vários motivos, entre eles porque essa educação é altamente onerosa para a sociedade, eu penso que aquela supramencionada líder política não estaria expressando uma idéia realmente benéfica para a sociedade e para os indivíduos. Acho que, por isso mesmo, porque a Sociedade deve proporcionar educação de altíssima qualidade e elevados custos, ela deve também induzir os cidadãos a adotar uma política de planejamento familiar, que torne a população compatível com os recursos que a Nação dispõe. Não estou dizendo nada absurdo. A China, todos sabemos, adota o planejamento familiar do filho único. Dizem que Cingapura adota uma política de planejamento familiar, que julgo altamente esclarecida. Os casais podem ter os filhos que bem entenderem. Mas, eles sabem que não podem exigir da Sociedade mais do que ela lhes pode oferecer, a saber: o primogênito tem o direito de exigir, e receberá, toda a educação que quiser, da creche à universidade, bem como toda a assistência médica que necessitar, existente no país; o segundo filho nada pode exigir, mas o Estado lhe concede a educação e os serviços médicos, se houver disponibilidade; do terceiro filho em diante, o cidadão nada pode exigir da sociedade e nada a sociedade lhe dará, eles são responsabilidade total da família.
O poder da Educação é simplesmente extraordinário. Professores de Psicologia da PUC de São Paulo nos ensinam que o Homem é um ser que aprende e inventa. O Homem nasce com a capacidade de ser muitas coisas. Ele será aquilo em que o ambiente, as circunstâncias, as experiências, a Cultura o transformar. O Homem é um ser sócio-histórico. Os neurocientistas costumam afirmar que o Homem é resultado de aptidões genéticas desenvolvidas pelas experiências, pela Educação, pela ação da Sociedade, pela influência da Cultura. Esta ideia acha-se sintetizada na famosa frase de Ortega y Gasset: Eu sou eu e minhas circunstâncias. A plasticidade da Mente é qualidade fundamental para a formação de indivíduos humanos tão diferentes. Ela seria capaz até de suprir determinadas deficiências da herança genética! É o fenômeno das mutações epigenéticas. Há até quem afirme que essas mutações epigenéticas poderiam mesmo transformar-se nas famosas mutações genéticas, às quais é atribuído o fenômeno da evolução. A plasticidade, pois, fornece a explicação para a altíssima importância da Educação na vida do indivíduo humano e na garantia de existência de Sociedade civilizada.
Não seria exagero afirmar que a Educação pode formar o indivíduo humano que se desejar. E nesse ponto, volto minha atenção para aquela mulher, com um filho ao colo, sentada na calçada, a que me referi no início destas reflexões. Aquela mulher é um ser humano sem ambição, sem auto-estima, sem dignidade? A Educação teria sido capaz de instruí-la de modo a fazê-la ambiciosa, centrada na auto-estima, de conquistar uma vida de qualidade e pessoa com dignidade. Esse defeito de temperamento ou de caráter teria feições quase de doença. Teria ela o direito de escolher para ela e, pasmem, para a própria cria aquele tipo de existência execrável? À luz da Psicologia, acho muito difícil concordar com esse direito. Acho que a Sociedade tem a obrigação de atraí-la com incentivos, para um estágio de Cura e Educação que a torne capaz de conquistar uma vida de qualidade. A Sociedade, a meu ver, nada pode exigir daquele a quem nada ela deu. Assim como nada pode exigir da Sociedade quem nada a ela dá. Mas também acho que numa Sociedade esclarecida, os indivíduos nascidos, quando falham os genitores e a família, são sujeitos de direitos com relação à própria Sociedade. A Sociedade não pode tolerar a existência de criminosos e de marginais. A Lei é a expressão do consenso dos indivíduos que formam a Sociedade. A Lei é convenção. Acho, pois, que o homicídio deveria ser considerado o maior dos crimes. Mas, acho também que a preguiça, a vagabundagem deveria ser considerada crime grave. Todos desde a infância deveriam ser educados, isto é, deveriam adquirir tal nível de desenvolvimento mental e corporal que fossem capazes de exercer uma profissão com competência e capazes de conviver em sociedade. Todos deviam ser capazes de conquistar uma vida de qualidade e, assim, contribuir para o bem da Sociedade.
Acho que a Sociedade ideal, aquela que todos devemos tentar formar, é aquela em que todos temos direitos e deveres, todos recebemos e todos damos. Não compreendo que se faça a distribuição de renda, sem a exigência de contrapartida do beneficiado. Aquela mãe, que se posta na calçada, deve ser atraída pela Sociedade, e treinada para tornar-se apta a conquistar uma vida de qualidade. Aquela criança, então, essa não pode de forma alguma ser abandonada pela Sociedade no lixo da marginalidade. Até para aquela mãe doente ou ignorante, a Sociedade pode criar condições para que cuide da cria e trabalhe.
E neste ponto de minhas reflexões dirijo minha atenção para aqueles adolescentes que, se já não estão no caminho da criminalidade, estão bem fundo no submundo da vagabundagem e bem próximos do terreno do crime. Eles têm o direito de viver na vagabundagem? Direito é convenção social! Eles têm o direito de não serem forçados a abandonar a vagabundagem? Eles têm o direito de caminharem inequivocamente em direção ao crime?! O que se está esperando? Simplesmente que se tornem o que se prenuncia, isto é, se tornem criminosos? Uma das características da percepção humana não é o poder maior de previsão? Não foi exatamente essa uma das características que tornou o Homem a espécie dominadora? Eu e todos os cidadãos que formamos a Sociedade, que convivemos recebendo da Sociedade e para ela contribuindo, nós a Sociedade, não temos o direito de nos precaver contra a probabilíssima existência de criminosos? Acho que numa coisa todos concordaremos: a Sociedade tem a obrigação de se precaver e, para isso, utilizar atrativos para aproximar aqueles jovens de um ambiente que os modifique, que os eduque.
A História da Educação nos ensina que há muitos tipos de educandários. A Sociedade que permitiu o nascimento desses adolescentes está obrigada agora, já que os pais falharam, de envolver-se com a educação, agora muito mais difícil, desses adolescentes, e de criar o ambiente que os atraia para a Educação, nele permaneçam e dele saiam cidadãos capazes de conquistar uma vida de qualidade. Tudo isso envolverá atividade educadora muito mais onerosa, porque a Sociedade foi negligente em implantar o programa do planejamento familiar.
A plasticidade da mente humana ainda nos esclarece outro aspecto do tipo de educação que se pode difundir na Sociedade. Muitos pensam que só a Educação Esportiva e a Educação Artística serão capazes de atrair as crianças, os adolescentes e os jovens. Não me parece isso verdadeiro. A plasticidade significa que todo tipo de atividade cultural pode, através do hábito e do incentivo, tornar-se prazerosa. A Matemática era prazerosa para Albert Einstein. Ele não parava de fazer cálculos. A Física Atômica era prazerosa para Rutherford e Niels Bohr. A Biologia era prazerosa para Pasteur. Todos os tipos de aprendizagem e de trabalho podem tornar-se prazerosos.
Quem sabe se, algum dia, o estudo e o trabalho também não serão tão espetaculares como a celebração dos Jogos Olímpicos ou o Campeonato Mundial de Futebol! E multidões se reunirão para assistir uma aula televisionada de Matemática, proferida por um prêmio Nobel de Ciências! Ou a uma operação de transplante de coração! Ou a um notável experimento que represente grande descoberta científica! A plasticidade permite que nos tornemos workholic. Conheci pessoas que, no estado de vigília, não paravam de estudar. Conheci pessoas que, no estado de vigília, não paravam de trabalhar.
Espero que esta gigantesca crise econômica constitua a oportunidade para que nós partamos para a construção do mundo que todos devemos buscar, tal qual pensava Bertrand Russell: um mundo em que o espírito criativo está vivo, no qual a vida é uma aventura cheia de esperança e de alegria, baseada no impulso de construir e não no desejo de reter o que se possui ou de tomar o que os outros possuem... no qual o amor seja purgado do desejo de dominação e a crueldade e a inveja tenham sido dissipadas pela felicidade e pelo desenvolvimento sem entraves de todos os instintos que erguem a vida e a preenchem com os prazeres da mente.
Aí, sim, esta Sociedade de cidadãos educados e sábios realizará a síntese fantástica da democracia com a aristocracia. Ela será democrática e aristocrática. Ela será Humanista, Universal. E a Economia será muito mais eficiente e muito mais exitosa. Sem necessidade de líderes carismáticos nem de robins hoods modernos.

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