sábado, 30 de maio de 2009

131. A Vida É Uma Conquista


Boto os pés na calçada de Copacabana. Uma figura imunda, cabelos desgrenhados, com fala e conduta idiótica, grunhe mendigando. É isso mesmo, não fala. Lá adiante, na calçada do próximo quarteirão, uma mulher, amamentando uma criança, sentada na calçada, suplica uma esmola. Já na Rua 5 de Julho, uma trinca de adolescentes sujos, vagabundos, mais ou menos conscientes de que só a sua presença aterroriza, condescende em sugerir uma ajuda pecuniária. As expressões sarcásticas de seus rostos transmitem a mensagem hedionda, camuflada numa súplica: Velho acuado, não ouses nos recusar o pouco que te estamos extorquindo!
Por que existem esses marginais, e dessa qualidade, na sociedade do século XXI, o século subseqüente ao século XX, o século do Estado do Bem-Estar social?! Abro o livro de Economia de Paul Krugman, e o mestre afirma que o sucesso econômico de um país se mede pela distribuição da riqueza! O Brasil não é um sucesso econômico?!
A Ciência Econômica mais aceita me ensina que a atividade econômica trabalha normalmente no equilíbrio. Ela me ensina que esse equilíbrio ocorre normalmente na fronteira das possibilidades da produção. Quando ocorre abaixo desse limite, a sociedade está em crise econômica, está em recessão. E esse não é o caso do Brasil, mesmo nesta época de crise mundial, até agora .
O mercado equilibrado promove a mais eficiente alocação de recursos e bens que pode ser feita. O mercado é o melhor resultado possível de produção e distribuição de bens e serviços. E na maioria dos bens primários existentes é esse mercado competitivo, onde ninguém possui o poder de desequilibrar, que organiza a produção, a distribuição e o consumo. Ninguém é rei. É a mais pura democracia. E é também certa equidade, porque possui mais quem produz mais.
E os economistas respondem à minha indagação: o mercado é de quem sabe produzir. A resposta pode ser dada de outra forma: na economia de mercado só consome quem produz, só quem dá recebe. Aqueles supramencionados cidadãos não produzem, por isso não consomem.
E é por isso que eu insisto em alertar para o óbvio: a Economia é uma ciência, mas não é a Ciência. Não é a totalidade do Conhecimento. É uma parte apenas do Conhecimento. Não é uma ciência autônoma. Não é a estrutura sobre a qual se forma a superestrutura. Ela se subordina à Sociologia, à Neurociência, à Ciência do Direito e da Política, à Ética.
Aquele primeiro indivíduo humano com que me deparei, se é mesmo, como penso, de tal forma deficiente das funções mentais, que não tem a mínima condição de sustentar-se, nós o achamos um infeliz. Mas, ele se sente um infeliz? Não seria ele realmente infeliz, isso sim, se o forçassem a obter a alimentação mediante o trabalho? A evasão escolar não seria uma fuga da infelicidade e uma busca de felicidade? Não teria ele, então, direito à opção por esse estilo de vida? Será que ele realmente tem capacidade física, funcional, mental de optar? Ele tem capacidade ética, isto é, capacidade de conhecer o Bem e o Mal, de optar pelo que acha o Bem, preterindo o Mal? Ele tem condição de ser responsável pelos seus atos e decisões?
Ele tem deveres? Se não tem deveres, ele tem direitos? Muitos responderão que ele não tem deveres, porque não é capaz de conhecê-los. Mas, tem direitos, porque é um ser humano.
Até poucos séculos atrás, e muitas pessoas ainda pensam assim, ele é ser humano porque foi gerado numa cópula, onde Deus lhe infundiu uma alma. Até poucos séculos atrás, outros afirmariam que ele é ser humano porque exibe a aparência externa de ser humano e foi gerado por um casal humano. A Biologia nos veio descrever a anatomia e a fisiologia características de um ser humano. A Neurociência veio para aprofundar esse conhecimento. E o que dirá a Ciência Genética? Existe o genoma humano, que marca o ser humano independentemente de seus comportamentos tão diferenciados? Se o homem é indivíduo humano desde a cópula, qual é o genoma característico de um ser humano? Quais os seus componentes mínimos, necessários e suficientes para formar o individuo humano?
O ovo não tem deveres, é claro. Mas, tem direitos? Direito não é uma convenção? Não está ligado à liberdade, ao conhecimento e à opção? Não tem direito, mas merece respeito. Respeito à vida humana que ele tem! Mas, quando começa a vida humana? Só quando começa a formação do sistema nervoso? Só quando nasce? E os anencéfalos têm vida humana?
Não estou refletindo sobre bobagens, nem sobre inocuidades. Agora mesmo na Espanha, o Ministro Zapatero está tentando fazer passar lei que dê às jovens de 16 anos o direito ao aborto. E a Bioética fornece argumentos pró e contra esse projeto de lei. Alguns defendem o projeto afirmando que embrião não é ser humano. Na China e em vários outros países asiáticos existe o controle demográfico e, por isso, até é praticada, o que fere nossa sensibilidade ocidental, a seleção do sexo masculino!
O economista não entra nessas considerações. Mas, segundo Paul Krugman, a economia é o resultado de infinitas opções individuais. A economia de mercado é a economia dos indivíduos livres, responsáveis por seu projeto de vida, responsáveis por sua qualidade de vida. O mercado é o espaço resultante de uma infinidade de opções individuais. Quem está na vida moderna, está no mercado, fazendo continuadamente uma opção, depois de outra. Na vida que aí está, no mundo moderno, todos estão optando pela sua vantagem. Todos estão seguindo a famosa “Lei do Gérson”: onde está a minha vantagem? No mundo do mercado, no mundo da sobrevivência, só há lugar para quem é capaz de usar a mente!
Assim, segundo a Ciência Econômica, não existe lugar para o deficiente mental na vida moderna. Para a Economia, aquele idiota não existe. Acho, sim, que aquele idiota, se de fato é um idiota, não deveria ter nascido. Acho que o direito primordial não é o direito à vida. O direito fundamental é o direito à vida de qualidade. Acho que ninguém tem o direito de colocar na existência um indivíduo humano incapaz de conquistar uma vida de qualidade. Nem o mais rico xeque das Arábias.
Não estou afirmando nada estranho às nossas tradições culturais greco-romanas. Em postagens anteriores, relatei o que grandes vultos da sociedade greco-romana pensavam sobre o valor da vida. Na Apologia de Sócrates, este, segundo Platão, pouco antes de sua morte, deixou-nos o ensinamento seguinte: E, por isso, analisa se não devemos dar máximo valor ao viver, mas sim ao viver bem. O próprio Charles Darwin confessa que a inspiração da teoria da evolução, a ideia da competição dos seres vivos pelos recursos da sobrevivência e do triunfo do mais adaptado ao meio ambiente, brotou do conhecimento do pensamento econômico de Malthus. Herbert Spencer, no começo do século passado, ousou formular a doutrina sociológica do capitalismo então emergente, de que o sucesso econômico, o homem mais rico, seria o indivíduo melhor adaptado ao meio ambiente. O mais rico sobreviveria, novo produto da evolução e nova espécie humana que sobreviverá. E por isso, ele foi recebido com honras e comemorações pela classe capitalista norte-americana, então emergente. A sociedade atual, em numerosos países, sobretudo naqueles que são reconhecidos como os mais civilizados, admite o aborto por vários motivos, como risco de morte da genitora e concepção no estupro. Por que não admiti-lo no claro diagnóstico de que o futuro cidadão, o nascituro, tem a mente danificada de tal forma que não seja capaz de conquistar uma vida de qualidade? Não conseguirá nem um nível de vida animal. Deformações definitivamente comprometedoras do lobo frontal, por exemplo.
Da minha parte, apenas acho que o primeiro direito e o primeiro dever do indivíduo humano são a conquista de uma vida de qualidade. Atualmente mesmo, um dos fatos mais constrangedores da sociedade é a freqüência do suicídio de adolescentes nas mais ricas nações, notadamente no Japão. Então, só tenho o direito de colocar na existência indivíduos humanos fisicamente capazes de conquistar existência de qualidade e se tiver condição de prepara-los para essa conquista. Platão, na Apologia de Sócrates, coloca na boca de Críton a seguinte ponderação: Ou não se devem ter filhos ou, se os temos, devemos pensar neles com o máximo desvelo e esforço que sua educação exige .
E, assim, julgo que a eugenia é eticamente bivalente. Existe a eugenia aética e a eugenia ética. A meu ver, a Eugenia é tão eticamente indiferente quanto uma faca. A faca depende da mão que a maneja. Se a uso na cozinha, a faca é instrumento precioso. Se a uso para matar, ela é instrumento perverso. Da mesma forma, a eugenia depende da mente que a manipula e da maneira como a usa. A eugenia perversa é a eugenia da discriminação social e política, preconceituosa. Jamais apoiarei a emasculação e a esterilização. Jamais admitirei a agressão à integridade e à liberdade do indivíduo humano.
Aquilo em que acredito é na sabedoria pessoal, que amplia o espaço da liberdade individual, que gera a deliberação pessoal e responsável de somente gerar indivíduos saudáveis, aptos a conquistar uma vida de qualidade. Porque a vida é uma conquista, desde a corrida competitiva dos espermatozóides em busca da conjunção com o óvulo, até o último suspiro de vida. A eugenia ética é aquela que se dedica a prover a sociedade de indivíduos sãos, corporal e mentalmente, de tal forma que nasçam indivíduos capazes de conquistar uma existência de qualidade.
E neste momento me persegue a imagem de meu filho primogênito, adolescente, lindo e querido, cheio de amigos e amigas, glamuroso por onde passava, até então vivendo a plenitude da ilusão da beleza da vida, sentado na sua cama, naquela sombria manhã de 1974, depois de perceber, porque ainda não se lhe havia dito claramente, que o câncer o cooptara, e expressando a sua inconformidade com um murro na cama e a frase pungente: Por que eu?!
A medicina genética já começa a ser uma realidade. Mas, ela certamente conseguirá sucessos tão fantásticos que esta presente discussão ficará totalmente descabida em futuro próximo. A medicina genética veio e se aperfeiçoará para fornecer uma sociedade melhor. Ela é um caminho, talvez o mais óbvio, do aperfeiçoamento da sociedade humana e, quem sabe?, da própria marcha da evolução, como vaticinam alguns biólogos. E ela tornar-se-á, mais cedo ou mais tarde, o instrumento capaz de fazer que a espécie humana produza apenas indivíduos capazes de se assumirem e de realizar trajetória de vida de qualidade. E ela o fará indicando o ser humano que poderá nascer, porque é embrião hígido ou embrião que a tecnologia médica pode tornar hígido, ou o embrião que não deverá nascer porque será inelutavelmente incapaz de conquistar vida de qualidade. Mas, essa opção será decisão pessoal de um indivíduo humano esclarecido e responsável. Jamais se fará através de alguma medida coercitiva estatal, atentatória da integridade física e mental do indivíduo humano.
Em reflexões anteriores, detive-me na previsão de que o instituto da família tradicional do Ocidente, que se vem modificando a olhos vistos, o espaço da procriação, será,um dia, substituído pelo instituto multiforme de relações transitórias de prazer. A geração já se faz em clínicas de fertilização in vitro e já se fazem tentativas de realizar a gestação artificial. Será que, um dia, o indivíduo humano desejoso de descendência obterá os filhos que planejará ter? A mulher, enfim, salvo aquelas adeptas conscientes da intimidade da gestação natural, libertar-se-ia dos incômodos da gestação e do nascimento da prole. O sexo tornar-se-á um dos amplos espaços de prazer humano, sem os inconvenientes do estresse da ansiosidade, da angústia, da responsabilidade e das incertezas. A procriação apartar-se-á do prazer.
A primeira conclusão a que pretendo chegar: um dos pressupostos do sucesso da Economia democrática, a economia de mercado, aquela nova Economia que desejo ver surgir, e deveria surgir, desta atual crise econômica, é que os agentes do mercado sejam todos os indivíduos humanos, pessoas saudáveis, capazes de conquistar uma vida de qualidade. A segunda conclusão: só existirá esse mercado abrangente de toda a população humana existente, se os indivíduos humanos atuais forem responsáveis, isto é, seres livres, suficientemente esclarecidos e educados para decidirem procriar indivíduos humanos capazes de conquistar uma vida de qualidade. A terceira conclusão: a educação (a formação de indivíduos humanos cientes dos seus direitos e dos seus deveres) é a mais fundamental obrigação do Estado, mais importante do que a produção da Segurança.
A Segurança, instituto coator do Estado, é corolário da Lei. A Lei é convenção, produto da mente dos indivíduos humanos, instituto criado pelo Homem para estabelecer a sociedade viável, espaço de convivência pacífica e colaboracionista. Quanto mais perfeita a mente humana, menor a necessidade de leis e muito menor ainda a necessidade de coação. Mente boa, Lei boa. Mente ruim, Lei ruim. Lei, expressão da Mente humana. Lei, expressão do consenso humano, em matérias do âmbito da res publica, nada mais é do que a evocação da conduta desejada pelo conjunto dos indivíduos da sociedade. A infração à Lei, em futuro talvez não muito longínquo, será talvez considerada uma anormalidade ou doença mental, e, por isso, não mais será castigada, será medicada! O crime, a prática do ilegal, constituirá fatos residuais, raros. E aqui me detenho para uma interrogação: estaríamos retornando à intuição socrática? O importante é a mente. O importante é a saúde da mente. A Sabedoria é o Bem. Ética é saúde da Mente. Ou, como Jesus Cristo e Paulo de Tarso: a Lei mata, o Espírito vivifica.
(continua)

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