sábado, 7 de fevereiro de 2009

27. Tudo Novo?!... Tudo diferente?!...


Querida irmã.
Sua carta se posta aqui, à minha frente, onde lhe admiro a maravilhosa caligrafia, comparável àquela outra de nosso irmão Einar! Ela me dá a oportunidade para divagar sobre o assunto de outra crônica - “Cárcere?!” -, que compõe o seu livro “Primavera”. Era minha intenção tecer comentários sobre sua expressão - “Nada de novo, nada diferente” - na minha primeira correspondência, mas omiti-os porque a considerei já excessivamente longa.
Aquela sua expressão me transportou para a época de Parmênides e Heráclito, filósofos gregos anteriores a Sócrates e contemporâneos de Buda, século VI AEC. Parmênides afirmava que tudo é imutável porque o que é é, não pode vir a ser nem deixar de ser. Portanto, o fluxo das coisas e dos fatos é ilusão. Suas idéias lembram as dos brâmanes e Buda. Suspeita-se que houve influência mútua entre o pensamento hindu e o grego. Os brâmanes acreditavam em Mara, a deusa da ilusão, da variedade, das desgraças e infelicidade. Há pintura dessa deusa negra, sorridente, a exibir-se sobre o dorso de um elefante. Como me surpreende haja pais capazes de dar tal nome às filhas! Ignorância?! Os gregos tinham também a explicação para o infortúnio em Pandora, a primeira mulher, obra maravilhosa produzida da argila pelo trabalho solidário de todos os deuses com o objetivo de iludir o homem e infelicitá-lo. Quando ela foi trazida do Olimpo e presenteada a Epimeteu, irmão daquele famoso Prometeu, trouxe consigo uma jarra que por curiosidade destampou e dela então se evolaram todas as desgraças que hoje infelicitam a humanidade, só restando a esperança pespegada à jarra, logo tampada por Pandora ao perceber a desafortunada conseqüência de sua curiosidade.
Já Heráclito se contrapunha a Parmênides e defendia tese de que só o devir existe: tudo passa, só o passar não passa. Ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, dizia ele.
Essas considerações me transportaram para o início de tudo, para o “big bang”, a grande explosão, ocorrida há bilhões de anos, do ylém, aquele plasma original, homogêneo, contínuo, compacto, infinitésimo, a bilhões de graus de temperatura, espécie de matéria, diferente da matéria hoje existente, onde se condensava toda a matéria atual. Ele existiu apenas alguns minutos, sem moléculas e átomos, sem elétrons, prótons e nêutrons. A explosão original estilhaçou o ylém nas partículas subatômicas, prótons e nêutrons. Apareceram em seguida os núcleos atômicos que passam a ser coroados pelas órbitas dos elétrons, dando origem aos átomos. A poeira nuclear avança pelo espaço. Tudo isso se processou em bilhões de anos! Poderia repeti-la: “Nada novo, nada diferente!” Ou então opor-lhe outra visão do processo: “Tudo novo, tudo diferente!” Para a ciência o Universo é mera transformação: “Nada se cria, nada se acaba, tudo se transforma!” Mas, as diversas visões humanas do processo dependem do prazo em que o consideramos: o curto e o longo prazo. Até hoje, e, sobretudo em Economia, a visão de curto prazo apresenta discrepâncias quando comparamos com as considerações de longo prazo. No mundo atual, porém, onde as transformações sociais e ate mesmo ambientais ocorrem muito mais rapidamente, essas duas análises já se confundem no período de uma simples existência humana.
Voltemos às transformações espetaculares às quais não assistimos, mas sabemos que se processaram e das quais somos hoje os beneficiários. Essa nébula de prótons e nêutrons, elétrons e átomos, a bilhões de graus de temperatura, continua a expandir-se e a esfriar, e começam a surgir as estrelas, o sol, os planetas e a Terra. Compõem-se as quase-moléculas e as moléculas. Há, 4,5 bilhões de anos, o sol sofre uma última gigantesca explosão nuclear e volatiliza grande parte dos elementos leves que se localizavam na parte externa do incandescente globo terrestre, estabelecendo a definitiva composição quantitativa dos elementos químicos do planeta. A Terra continua a esfriar. Torna-se gigantesca bola esbraseada, pastosa ou líquida. Forma-se a atmosfera. Inicia-se o fenômeno das chuvas. Cria-se a crosta terrestre, que, atingida pelas chuvas, propicia a formação dos rios e oceanos. Naquele espaço líquido, brotam as bactérias, nem planta nem animal. A vida evolui para as algas azuis, os primeiros vegetais. A fotossíntese impregna a atmosfera terrestre de oxigênio. Vida e oxigênio livre constituem duas anormalidades ou especialidades terrestres.
A vida transfere-se do mar para a terra através dos anfíbios e dos répteis. Répteis gigantescos herbívoros dominam a terra, até que o alimento lhes escasseia e eles desaparecem. Nesse ínterim, a vida já povoara a atmosfera utilizando-se das asas das aves. O ímpeto vital elevou os vertebrados até os antropóides e, em seguida, há cerca de 1,5 milhão de anos aos humanóides, ou homo faber, que fabricavam instrumentos de pedra para combater e caçar. Há 500 mil anos, o homo faber já homo erectus combatia e caçava com instrumentos de pedra, osso e madeira. Há 300 mil anos, ele já os produzia de pedra lascada. A descoberta do fogo permitiu que o homo faber conquistasse as terras frias, de sorte que, há 200 mil anos, o Homem Neanderthal perambulava pelas florestas da Europa. Abrigava-se em cavernas. Trabalhava a pedra, o osso e a madeira. Enterrava os mortos em sepulturas na posição fetal como acreditando que o cadáver pudesse ser reanimado. Há 50 mil anos, o Homem de Cro-Magnon, o Homo Sapiens, passa a habitar cavernas do sul da França e do norte da Espanha, em cujas paredes pintava cenas de caça famosas num contexto de ritual de magia como as “simpatias” populares contemporâneas, inspirado na crença de que aquelas representações rupestres tinham influência real no sucesso da caça. Vindo do sul, sem que se saiba precisamente o local de origem, o homo sapiens parece ter exterminado o Homem de Neanderthal, e curiosamente na gruta de Grimaldi, na França, vai-se identificar a primeira ocorrência do homem negro!
Entre os anos 10 mil e 3 mil aC., deu-se a maior revolução no estilo de vida humana, promovida, ao que se crê, pelas mulheres: a Revolução Neolítica ou Agrícola, que significou a domesticação de animais, o aparecimento das cidades e a especialização da atividade humana. De lá para cá, sabemos quanto a terra mudou! As sociedades autocráticas da China, Índia e Ásia Menor cedem a hegemonia à civilização grega democrática que se espalha em torno do Mediterrâneo para reunificar-se no Império Romano, baseado nas armas e no direito. Esse mundo mediterrâneo liga-se fracamente com as sociedades do Extremo Oriente e desconhece o resto da terra.
O Cristianismo suplanta o politeísmo greco-romano e as invasões bárbaras substituem a sociedade urbana, escravista e de poder político centralizado pela sociedade feudal, rural, servil e de poder político local. A economia de mercado do Império Romano cede lugar à economia auto-suficiente dos feudos. Maomé unifica o povo árabe numa sociedade teocrática expansionista que entra em choque com os interesses de Bizâncio e dos suseranos da Europa Ocidental, inclusive o Papa. Reanima-se o interesse econômico na Europa Ocidental que volta a urbanizar-se. A Europa nacionaliza-se sob a força da conjunção de interesses de reis e negociantes (a burguesia, a classe média). Os interesses econômicos e políticos de reis e negociantes conduzem à conquista geográfica da Terra. O capitalismo mercantil cria condições para o ressurgimento das artes e o aparecimento do pensamento científico. Formam-se os impérios e o capitalismo mercantil se expande. Gutemberg inventa a imprensa. A burguesia triunfa nas Revoluções Americana e Francesa. Inicia-se a Revolução Industrial, a segunda maior transformação por que passou a sociedade humana. A agricultura, o transporte, as comunicações e a produção se modificam profundamente ao ritmo célere das modificações tecnológicas. Inovam-se as relações de trabalho. O poder político se democratiza. Os impérios se extinguem. A população se expande. As cidades proliferam e a atividade urbana predomina sobre a atividade rural. Surgem as megalópoles. Desenvolve-se o setor de serviços. O lazer se amplia. A medicina progride. O Estado assume cunho de acentuada preocupação social. A média de vida humana se eleva. A Terra torna-se uma aldeia. O Homem dá início à conquista do Universo!
Tudo é novo?! Tudo é diferente?! Mesmo fisicamente a Terra é muito diferente! Há 2.500 anos, Grécia, Itália e Espanha eram uma grande floresta! Há 1.000 anos, a Europa transalpina era uma floresta e Holanda significa terra de florestas! Há 500 anos, os Estados Unidos e o Brasil eram grandes florestas. Uma das minhas mais impressionantes experiências pessoais foi retornar a Salvador, passados 30 anos, e constatar a violenta urbanização ali operada, inclusive na outrora bucólica ilha de Itaparica!
Nada caracteriza mais este século que “a transformação”. Iniciou-se como sociedade industrial e termina como sociedade de serviços. Principiou como economia liberal, ganhou amplo espaço em seguida a economia intervencionista (economia mista ou keynesiana) e a socialista (social democracia, trabalhismo, repúblicas socialistas e comunismo) e finda economia neoliberal. Na origem predominou a hegemonia política da Inglaterra, por várias décadas depois experimentou-se a oposição bipolar Estados Unidos (Primeiro Mundo) contra URSS (Segundo Mundo) e sente-se por fim a liderança singular dos Estados Unidos. Foi a princípio tecnologicamente um mundo terrestre (o navio a vapor, a ferrovia e as rodovias), transformou-se num mundo aéreo (a aviação) e finda um mundo extraterrestre (a Mir, as espaço-naves tripuladas ou telecomandadas). O mundo das comunicações locais deu lugar ao mundo das informações globais, e já se lança na tentativa de comunicação com possíveis civilizações extraterrestres. O mercado passou de nacional para internacional e dimensiona-se global nestes últimos anos. As empresas da contabilidade manual e da predominância da mão-de-obra cedem a vez às empresas da administração eletrônica e da produção eminentemente tecnológica.
E se me analiso, achar-me-ei sempre o mesmo ou me descubro sempre diferente? Haverá algo mais diferente que um indivíduo humano de outro indivíduo humano?!
No mundo contemporâneo, já se vive com o coração e o rim de outra pessoa. Fábricas japonesas são operadas por robôs em quantidade maior do que operários, e delas há que são movimentadas só por robôs sob a fiscalização de operários. Dizem que, dentro de algumas décadas, elas serão bem menores e postas a funcionar só por robôs. Prevêem que a agricultura será teletrabalhada das cidades que também extrairão à distância alimentos e minérios das profundezas dos oceanos. Breve far-se-ão reuniões sociais entre amigos pelo telefone-televisão. Nos Estados Unidos já há telefones que exibem a imagem do interlocutor. Quando se visitar um amigo em casa, ser-se-á introduzido por um robô, com quem se dialogará. No Citibank de New York, já no princípio da década passada, deparei-me com a substituição de contínuos e serventes por robôs (carrinhos que trafegavam pelos corredores do edifício, entravam nas salas e delas saíam, transportando documentos).
Quando, na meia idade dos 90 anos, os nossos netos adentrarem a residência, as luzes mais convenientes acender-se-ão automaticamente, as cortinas movimentar-se-ão segundo as necessidades, abrir-se-ão as janelas como desejado, a temperatura da sala adaptar-se-á às conveniências da pessoa, e até o aparelho de som por-se-á a tocar a música mais condizente com o estado de espírito deles naquele momento. Nesse futuro não muito longínquo, as secretárias de médicos, advogados e administradores serão substituídas por lindos robôs!... Defrontar-nos-emos nas ruas com robôs que nelas se misturarão com os homens e provavelmente falaremos com robôs dotados de cérebro humano!...
E aqui permaneço em minhas indagações, estimulado pela sua crônica: “nada novo, nada diferente” ou “tudo novo, tudo diferente”?!... Parmênides ou Heráclito?!
(Escrito no ano de 1992)

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