Os casamentos se tornaram mais numerosos, sobretudo nas cidades. Miséria por miséria, o temor de que a espera durasse anos impelia os jovens a correr o risco de casar mais cedo.
Os roubos recrudesceram. Padarias eram pilhadas. Nos restaurantes de luxo, os clientes só recebiam os talheres após terem feito um depósito no caixa, porque a louça desaparecia regularmente. O medo de assaltos conduziu a complicados sistemas de proteção de imóveis e apartamentos: cadeados de segurança, portas duplas, grades de ferro etc.
Floresceu o comércio de aluguel de quartos de apartamentos. A locação era cobrada por dia. O cliente ideal era o turista estrangeiro. O pagamento em dólar dava direito a tratamento especial. Alguns mais audaciosos alugavam-nos para encontros amorosos.
A incerteza do amanhã desenvolveu, entre os que possuíam dinheiro, uma sede de prazeres, de divertimentos. Entre os pobres, havia os que se dispunham a se vender. Em anúncios de jornais, rapazes se ofereciam para levar felicidade a viúvas ricas, e meninas de quinze anos se entregavam a senhores idosos. Proliferaram os espetáculos de travestis, lésbicas e homossexuais. Novos-ricos, traficantes e bilionários davam-se a orgias e espetáculos de nudismo. Gastavam fortunas com banquetes, enquanto um operário precisava trabalhar um mês para ganhar o equivalente ao preço de um par de sapatos. Os que tinham dólar ou mercadoria de valor podiam satisfazer todas as perversões: cocaína, espetáculos pornográficos e masoquismo (prostitutas passeavam pelas calçadas, com chicote na mão e calçando botas vermelhas).
O povo foi atraído por profetas de seitas religiosas e pelo misticismo oriental. Espiritismo, astrologia e telepatia floresciam na alta sociedade.
A especulação era a conseqüência mais natural da inflação. Os alemães, quando tinham meios para isso, corriam na direção de tudo o que não se desvalorizava. Os mais ricos compravam fábricas e imóveis. Outros se contentavam com diamantes, pedras preciosas, dólares. Os agricultores investiam em máquinas e equipamentos. Os que dependiam do dia-a-dia tentavam, com dificuldade, formar um estoque de quilos de açúcar e de latas de conservas. A especulação se tornara uma profissão. Os espertos utilizavam marcos para comprar dólares, depois se desembaraçavam dos dólares comprando mercadorias não-perecíveis e facilmente transformáveis em moedas. Sem muito esforço, conseguiam viver confortavelmente. Eram os novos-ricos, aos quais se somavam os que se endividaram logo após a guerra para comprar propriedades fundiárias.
A Alemanha se tornara um paraíso para os estrangeiros. Em 1922, todos os hotéis da Floresta Negra estavam ocupados por suíços, e os da Renânia por holandeses. E estrangeiros eram os principais clientes das grandes lojas das principais cidades alemãs. Os vendedores perguntavam automaticamente em que hotel deviam entregar as compras. Os trens comportavam três classes, e os ônibus, quatro. A terceira e a quarta eram ocupadas pelos alemães. A primeira e a segunda recebiam quase exclusivamente estrangeiros. Aumentou assim a xenofobia na população alemã. Os estrangeiros, acusados de despojar a Alemanha, eram mal vistos. Nas cidades turísticas existiam dois preços: um, mais barato, para os alemães; outro, 50% mais caro, para os estrangeiros.
Os mais atingidos pela inflação foram os possuidores de pequenos rendimentos e os aposentados. Dispondo regularmente de uma soma fixa que até então lhes permitia viver, eles foram forçados, com mais de sessenta anos, a encontrar expedientes para não sucumbir à miséria. Uns vendiam tudo o que lhes pudesse trazer algum proveito: jóias, quadros ou móveis. Outros alugavam ou sublocavam parte do seu apartamento. Os mais desprovidos esperavam a morte ou arriscavam-se a antecipar-se a ela.
Caiu a freqüência nas universidades, cujos alunos tradicionalmente provinham da média burguesia, particularmente das famílias de profissionais liberais. Desinteressando-se pelos cursos, preferiam dar aulas particulares, pagas com ovos, manteiga e batatas, para não morrer de fome.
Os trabalhadores intelectuais foram mais lesados do que os braçais. Fidalgos, industriais e novos-ricos tinham fraca curiosidade intelectual. Nem as camadas médias nem os operários tinham condições para satisfazer necessidades de cultura. Além disso, com baixa taxa de sindicalização, difícil era a defesa comum de seus interesses. Nada obstante isso, intensas eram as reivindicações salariais por parte da classe trabalhadora, o que contribuiu para o significativo aumento das despesas gerais das empresas alemãs.
A Alemanha foi condenada a um isolamento cultural. Impossível comprar jornais, livros ou revistas estrangeiros. O abastecimento das bibliotecas científicas reduzia-se a quase nada. Muito onerosa a exportação dos livros alemães, porque os livreiros exigiam taxas suplementares e porque tarifas postais eram tão altas que inviabilizavam a remessa na própria Alemanha e para o exterior. Os contatos se tornaram raros para muitos escritores que tinham de privar-se de alimento para franquear cartas. Um romancista alemão definiu a Alemanha do início de 1923 como um hospício para devoradores de cifras. Não se lêem mais livros. Quase ninguém pode comprá-los. Seu preço médio equivale a um dia de salário de um alto funcionário. Apenas 3% da população, estima ele, merece ser chamada rica. O resto sobrevive sob privações ou morre de fome. O preço do papel e as despesas de impressão haviam provocado forte aumento no preço do livro. Os editores diminuíram a proporção de obras de jovens autores.
Esse período da inflação não foi um calvário para todo mundo. Os capitalistas construíram fortunas colossais através da aquisição de bens sólidos. O industrial Hugo Stinnes, em 1923, quadruplicou seus bens graças a empréstimos e possuía 4.500 empresas! As indústrias Krupp, Thyssen e Klochner não passavam por dificuldades e, em 1924, pode ser feito investimento considerável em fábricas ou produções novas. Data dessa época a indústria radiofônica. Um terço da frota comercial é restaurada. O material desenvolvem seus serviços.
Excetuando-se os cereais, cujos preços caíram, os agricultores se beneficiaram na venda de seus produtos no imediato pós-guerra. A partir de 1923, os agricultores foram afetados pela desvalorização do marco. O prejuízo foi atenuado com o investimento em material e numa transformação das condições de vida (compra de tecidos, imóveis, pianos e muitas outras mercadorias). Em 1923 a rede telefônica ficava sobrecarregada a certas horas, porque os agricultores se informavam regulamente sobre o valor do dólar.
A inflação gerou situações diferentes, segundo os grupos sociais. De região em região, de cidade em cidade, a situação econômica era diferente. Marcantes em Berlim, menos nas cidades pequenas, embora também a estas as diferenças entre miséria e riqueza não fossem alheias. Nas cidades, que contavam com grande proporção de funcionários dos correios ou ferrovias, os contrastes entre ricos e pobres eram mais atenuados, porque seus salários acompanhavam o custo de vida, graças a abonos compensatórios dados pelo Estado. Nas cidades que viviam do comércio, sobretudo com o estrangeiro, tinha-se até a impressão de relativa prosperidade.
Ingmar Bergman produziu um filme, “O Ovo da Serpente”, cuja apresentação fez nos seguintes termos: “Estamos no dia 3 de novembro de 1923. O maço de cigarros custa 4 bilhões de marcos. A maioria das pessoas perdeu toda a fé no futuro...” O Ovo da Serpente consegue traduzir, com força e verossimilhança, um aspecto da atmosfera consecutiva ao fenômeno da inflação. Esse aspecto é o da miséria em que se debatiam milhares de cidadãos, reduzidos a expedientes para sobreviver. Uma das seqüências mais sugestivas do filme apresenta, num fim de noite, um cavalo morto em plena rua, que ainda atrelado à carroça é logo desmembrado por duas ou três pessoas e cuja carne é imediatamente oferecida aos raros noctívagos, a preço exorbitante, por uma mulher de cujas mãos escorre sangue!...
(Escrito no ano de 1990)
Os roubos recrudesceram. Padarias eram pilhadas. Nos restaurantes de luxo, os clientes só recebiam os talheres após terem feito um depósito no caixa, porque a louça desaparecia regularmente. O medo de assaltos conduziu a complicados sistemas de proteção de imóveis e apartamentos: cadeados de segurança, portas duplas, grades de ferro etc.
Floresceu o comércio de aluguel de quartos de apartamentos. A locação era cobrada por dia. O cliente ideal era o turista estrangeiro. O pagamento em dólar dava direito a tratamento especial. Alguns mais audaciosos alugavam-nos para encontros amorosos.
A incerteza do amanhã desenvolveu, entre os que possuíam dinheiro, uma sede de prazeres, de divertimentos. Entre os pobres, havia os que se dispunham a se vender. Em anúncios de jornais, rapazes se ofereciam para levar felicidade a viúvas ricas, e meninas de quinze anos se entregavam a senhores idosos. Proliferaram os espetáculos de travestis, lésbicas e homossexuais. Novos-ricos, traficantes e bilionários davam-se a orgias e espetáculos de nudismo. Gastavam fortunas com banquetes, enquanto um operário precisava trabalhar um mês para ganhar o equivalente ao preço de um par de sapatos. Os que tinham dólar ou mercadoria de valor podiam satisfazer todas as perversões: cocaína, espetáculos pornográficos e masoquismo (prostitutas passeavam pelas calçadas, com chicote na mão e calçando botas vermelhas).
O povo foi atraído por profetas de seitas religiosas e pelo misticismo oriental. Espiritismo, astrologia e telepatia floresciam na alta sociedade.
A especulação era a conseqüência mais natural da inflação. Os alemães, quando tinham meios para isso, corriam na direção de tudo o que não se desvalorizava. Os mais ricos compravam fábricas e imóveis. Outros se contentavam com diamantes, pedras preciosas, dólares. Os agricultores investiam em máquinas e equipamentos. Os que dependiam do dia-a-dia tentavam, com dificuldade, formar um estoque de quilos de açúcar e de latas de conservas. A especulação se tornara uma profissão. Os espertos utilizavam marcos para comprar dólares, depois se desembaraçavam dos dólares comprando mercadorias não-perecíveis e facilmente transformáveis em moedas. Sem muito esforço, conseguiam viver confortavelmente. Eram os novos-ricos, aos quais se somavam os que se endividaram logo após a guerra para comprar propriedades fundiárias.
A Alemanha se tornara um paraíso para os estrangeiros. Em 1922, todos os hotéis da Floresta Negra estavam ocupados por suíços, e os da Renânia por holandeses. E estrangeiros eram os principais clientes das grandes lojas das principais cidades alemãs. Os vendedores perguntavam automaticamente em que hotel deviam entregar as compras. Os trens comportavam três classes, e os ônibus, quatro. A terceira e a quarta eram ocupadas pelos alemães. A primeira e a segunda recebiam quase exclusivamente estrangeiros. Aumentou assim a xenofobia na população alemã. Os estrangeiros, acusados de despojar a Alemanha, eram mal vistos. Nas cidades turísticas existiam dois preços: um, mais barato, para os alemães; outro, 50% mais caro, para os estrangeiros.
Os mais atingidos pela inflação foram os possuidores de pequenos rendimentos e os aposentados. Dispondo regularmente de uma soma fixa que até então lhes permitia viver, eles foram forçados, com mais de sessenta anos, a encontrar expedientes para não sucumbir à miséria. Uns vendiam tudo o que lhes pudesse trazer algum proveito: jóias, quadros ou móveis. Outros alugavam ou sublocavam parte do seu apartamento. Os mais desprovidos esperavam a morte ou arriscavam-se a antecipar-se a ela.
Caiu a freqüência nas universidades, cujos alunos tradicionalmente provinham da média burguesia, particularmente das famílias de profissionais liberais. Desinteressando-se pelos cursos, preferiam dar aulas particulares, pagas com ovos, manteiga e batatas, para não morrer de fome.
Os trabalhadores intelectuais foram mais lesados do que os braçais. Fidalgos, industriais e novos-ricos tinham fraca curiosidade intelectual. Nem as camadas médias nem os operários tinham condições para satisfazer necessidades de cultura. Além disso, com baixa taxa de sindicalização, difícil era a defesa comum de seus interesses. Nada obstante isso, intensas eram as reivindicações salariais por parte da classe trabalhadora, o que contribuiu para o significativo aumento das despesas gerais das empresas alemãs.
A Alemanha foi condenada a um isolamento cultural. Impossível comprar jornais, livros ou revistas estrangeiros. O abastecimento das bibliotecas científicas reduzia-se a quase nada. Muito onerosa a exportação dos livros alemães, porque os livreiros exigiam taxas suplementares e porque tarifas postais eram tão altas que inviabilizavam a remessa na própria Alemanha e para o exterior. Os contatos se tornaram raros para muitos escritores que tinham de privar-se de alimento para franquear cartas. Um romancista alemão definiu a Alemanha do início de 1923 como um hospício para devoradores de cifras. Não se lêem mais livros. Quase ninguém pode comprá-los. Seu preço médio equivale a um dia de salário de um alto funcionário. Apenas 3% da população, estima ele, merece ser chamada rica. O resto sobrevive sob privações ou morre de fome. O preço do papel e as despesas de impressão haviam provocado forte aumento no preço do livro. Os editores diminuíram a proporção de obras de jovens autores.
Esse período da inflação não foi um calvário para todo mundo. Os capitalistas construíram fortunas colossais através da aquisição de bens sólidos. O industrial Hugo Stinnes, em 1923, quadruplicou seus bens graças a empréstimos e possuía 4.500 empresas! As indústrias Krupp, Thyssen e Klochner não passavam por dificuldades e, em 1924, pode ser feito investimento considerável em fábricas ou produções novas. Data dessa época a indústria radiofônica. Um terço da frota comercial é restaurada. O material desenvolvem seus serviços.
Excetuando-se os cereais, cujos preços caíram, os agricultores se beneficiaram na venda de seus produtos no imediato pós-guerra. A partir de 1923, os agricultores foram afetados pela desvalorização do marco. O prejuízo foi atenuado com o investimento em material e numa transformação das condições de vida (compra de tecidos, imóveis, pianos e muitas outras mercadorias). Em 1923 a rede telefônica ficava sobrecarregada a certas horas, porque os agricultores se informavam regulamente sobre o valor do dólar.
A inflação gerou situações diferentes, segundo os grupos sociais. De região em região, de cidade em cidade, a situação econômica era diferente. Marcantes em Berlim, menos nas cidades pequenas, embora também a estas as diferenças entre miséria e riqueza não fossem alheias. Nas cidades, que contavam com grande proporção de funcionários dos correios ou ferrovias, os contrastes entre ricos e pobres eram mais atenuados, porque seus salários acompanhavam o custo de vida, graças a abonos compensatórios dados pelo Estado. Nas cidades que viviam do comércio, sobretudo com o estrangeiro, tinha-se até a impressão de relativa prosperidade.
Ingmar Bergman produziu um filme, “O Ovo da Serpente”, cuja apresentação fez nos seguintes termos: “Estamos no dia 3 de novembro de 1923. O maço de cigarros custa 4 bilhões de marcos. A maioria das pessoas perdeu toda a fé no futuro...” O Ovo da Serpente consegue traduzir, com força e verossimilhança, um aspecto da atmosfera consecutiva ao fenômeno da inflação. Esse aspecto é o da miséria em que se debatiam milhares de cidadãos, reduzidos a expedientes para sobreviver. Uma das seqüências mais sugestivas do filme apresenta, num fim de noite, um cavalo morto em plena rua, que ainda atrelado à carroça é logo desmembrado por duas ou três pessoas e cuja carne é imediatamente oferecida aos raros noctívagos, a preço exorbitante, por uma mulher de cujas mãos escorre sangue!...
(Escrito no ano de 1990)
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