domingo, 1 de fevereiro de 2009

21. A Igreja Romana


Quando, nos séculos V e VI EC, os povos godos e germânicos, em grande parte cristãos arianos, entraram no Império Romano, eles encontraram uma região pontilhada de cidades romanas decadentes, com uma civilização superior a deles, governadas muitas delas por bispos cristãos, proprietários de terras, que seguiam avançadas normas administrativas, se regiam por leis escritas e adotavam técnicas agrícolas mais avançadas. Eles passaram a conviver sem maiores problemas com a população romana e a absorver a civilização romana: administração urbana, legislação escrita, técnicas agrícolas e o catolicismo romano.
Os bispos, administradores de cidades e produtores agrícolas, erigiam igrejas em suas cidades. Estas suscitavam a proliferação de monges e mosteiros. Atraíam monges e mosteiros para as cidades e vizinhanças. Os mosteiros logo se tornaram locais de oração e trabalho de subsistência. Tornavam-se centros de aglomeração de fiéis e núcleos embrionários de cidades. Os abades começaram a competir com os bispos em autoridade religiosa, poder político e riqueza. Bispos, clérigos e monges educavam o povo.
Os anglos, saxões e jutos invadiram a Britânia. Os bretões defenderam-se durante um século. Mas, no século VI EC, esses povos germânicos concluíram a conquista e criou-se a Inglaterra (a terra dos anglos). Parte dos bretões cruzou o canal da Mancha e formou a província gaulesa da Bretanha.
No século V EC, a Grã-Bretanha já estava cristianizada. E o papa Celestino estava preocupado com a cristandade daquela região, imbuída das idéias heréticas do bispo Pelágio. Enviou para lá o missionário Paládio, que parece ter pregado na Irlanda e na Escócia, e logo morreu. Para substituí-lo, a conselho de Germano, rico bispo de Auxerre, enviou outro missionário, Patrício, auxiliar de Germano em Auxerre e que fora monge de Martinho em Tours. Patrício foi o evangelizador da Irlanda: um homem converteu uma nação. Fundou muitos mosteiros e conventos. Ergueu duzentas igrejas. E discípulos seus saíram a evangelizar outras terras. São Columba fundou vários mosteiros na Irlanda e, em seguida, com doze companheiros, partiu para evangelizar a Escócia, onde fundou o mosteiro de Iona. São Finiano de Clonard fundou um grupo de mosteiros de monges missionários. Contemporânea de São Patrício e fundadora de famoso mosteiro foi Santa Brígida, filha de uma escrava e um rei, que ocupa o segundo lugar no culto do povo irlandês.
No século IV EC, os francos, povo germânico pagão, movimentaram-se e ocuparam as terras do Reno inferior. No século seguinte, Clóvis, o rei dos francos, ocupou o noroeste da França, dando início ao futuro país, França. Casou-se com Clotilde, uma cristã ortodoxa. Converteu-se ao cristianismo ortodoxo e empreendeu a conquista da Gália gótica ariana para converte-la ao cristianismo ortodoxo. Transferiu a capital do reino franco para Paris. Depois da morte do marido, Clotilde foi morar na igreja de São Martinho em Tours.
Na segunda metade do século V EC, os visigodos arianos dominavam a Espanha. No final do século VI, o rei Recaredo se converteu ao cristianismo ortodoxo pela influência de São Leandro, bispo e monge, e obrigou seu povo a adotar sua nova fé. São Isidoro de Sevilha, bispo, estudou no mosteiro de seu irmão, São Leandro, conhecido e amigo do papa Gregório Magno.
No início do século VI, Bento de Núrcia, que vivia vida eremítica em Subiaco, nas cercanias de Roma, atraiu alguns companheiros em virtude da sua fama e ali se fundaram doze mosteiros. No final da terceira década daquele século, ele se transferiu para Monte Cassino, onde fundou o famoso mosteiro de Monte Cassino, modelo dos mosteiros do cristianismo ocidental. É a origem da Ordem dos Beneditinos, cujo lema é ora et labora (reza e trabalha). O mosteiro de Monte Cassino foi tão importante para a civilização ocidental que, Bento de Núrcia, além de ser considerado o Patriarca dos Monges Ocidentais, foi proclamado Patrono da Europa. Centenas de mosteiros surgiram na Europa, que davam hospedagem e proporcionavam instrução a quem os procurasse.
Ainda vivia São Bento, quando nasceu Gregório. Prefeito de Roma, convenceu-se de que estava iminente a parusia. Vendeu suas propriedades e fundou sete mosteiros. Transformou seu palácio no mosteiro de Santo André, do qual foi o primeiro monge. Depois de servir ao Papa em diversas missões, tornou-se abade do mosteiro de Santo André. Foi feito papa a força. Reformou a disciplina religiosa nos mosteiros do Ocidente cristão, estendendo-lhes as regras beneditinas. Conferiu prestígio e poder ao papado. Ampliou os Estados Pontifícios. Submeteu os bispos rebeldes da Lombardia, restaurou o catolicismo ortodoxo na África, recebeu a conversão da Espanha ariana e conquistou a Inglaterra com 40 monges, inclusive São Lourenço de Canterbury, chefiados por Agostinho, o abade do mosteiro de Santo André. Agostinho foi muito bem recebido em Kent, pelo rei Ethelbert, casado com Berta, de origem francesa e cristã. Em um dia de Natal teria batizado dez mil pessoas.
Da Irlanda partiu São Columba para a Britânia onde conquistou os anglo-saxões para o Cristianismo romano e fundou o mosteiro de Iona. Iona converteu-se num viveiro de bispos, de onde a Boa-Nova irradiou para as ilhas Orkney, Shetland, Faeroe, Islândia, propagando-se também para as regiões da Europa Central.
Da Irlanda mais uma vez, naquele século de Gregório Magno, partiu São Columbano de Bangor, o maior mosteiro celta, acompanhado por doze companheiros. Atravessou a Grã-Bretanha e a Gália, indo fundar um grande mosteiro nos Vosgues. Posteriormente, fundou outros em Fontaines e em Bobbio na Itália. No mosteiro de Luxeuil tantos eram os monges, sessenta, que ele instituiu a laus perennis (o louvor sem fim): dia e noite, sem parar, os monges revezavam-se em orações e cantos de louvor a Jesus, Maria e santos. Milhares de mosteiros na Europa logo lhe imitaram o exemplo.
O papa e monge Gregório Magno, como é conhecido, moldou o pensamento teológico que constituiu a base cultural da Idade Média e que ainda hoje dá as características da teologia do cristianismo católico:
"Adão e Eva cometeram o pecado original. Como descendentes de Adão e Eva, todos os homens nascem com o pecado original. Todos os homens, portanto, nascem com a inclinação para a prática do mal. Jesus Cristo, o Filho de Deus, segunda pessoa da divindade trina, fez-se homem para oferecer uma expiação a Deus trino e livrar o homem do pecado. O pecado original se apaga pela graça de Deus (a natureza divina), infundida na alma humana pelo batismo. Assim mesmo, a grande maioria dos homens morre no pecado e vai para o inferno eterno, um lugar de fogo e tormentos horrorosos. Uns poucos eleitos morrem na graça de Deus (divinizados). Os poucos que morrem sem pecado grave vão para o Céu, a habitação de Deus, e serão eterna e imensamente felizes. Note-se que os que morrem com pecado leve passam pelo Purgatório, antes de chegar ao céu. O Purgatório só difere do Inferno, porque é transitório, tem fim. O mais terrível nessa teoria: os poucos, que vão para o Céu, não vão por méritos próprios, mas em virtude da graça de Deus (divinização), isto é, porque são eleitos por Deus, isto é, porque assim Deus o quer! Isso é horripilante? Isso é absurdo? Não, isso simplesmente estaria acima da compreensão humana. Isso também (essa eleição de poucos) seria nada mais que um mistério, um dogma, só Deus o poderia entender! Fabuloso! A vida terrena, apesar de tudo, é transitória, é uma época de provação. A vida terrena é, portanto, a preparação da vida eterna, após a morte. A vida verdadeira, a que importa, é a vida depois da morte, no céu ou no inferno. A vida terrena deve ser vivida de conformidade com os ensinamentos e o exemplo de Jesus Cristo, explicados pela Igreja Católica, Apostólica e Romana."
A noção de vida de Gregório Magno, que se tornou a concepção de vida da Idade Média, é a vida monacal de oração e penitência. Deve-se viver na união com Deus e na companhia dos anjos e dos santos, reverenciando as relíquias dos santos, beneficiando-se dos seus milagres, obtendo-se indulgências para abreviar o purgatório e angariando proteção contra a influência dos demônios, que querem arrastar os homens para o inferno. Há íntima interatividade entre a vida terrena e a vida após a morte: aquela é resultado desta.
Essa mentalidade e essa pregação constituíram a forma em que se modelou a cultura da Europa Ocidental. O rei Oswaldo, de Northumbria, convocou uma reunião, em Whitby em 664, entre as correntes cristãs locais e romanas, que divergiam quanto à data da Páscoa. O próprio rei dirimiu a questão, dizendo: Pedro é o porteiro da entrada dos Céus e eu não o contraditarei. Eu obedecerei as suas ordens em tudo, na medida de meu conhecimento e habilidade, para evitar que, em fazendo o contrário, não haja alguém que ma abra, na hora da morte. Com essa mesma poderosa idéia, o papa Estêvão ameaçou Pepino III, rei dos Francos, no século seguinte, e induziu-o a defender o papado contra os Lombardos. A Igreja Católica, Apostólica e Romana já estava consolidada, obra concluída por Gregório Magno.
Coevo de Gregório Magno, São Martinho de Dume, nascido na Hungria e discípulo de Martinho de Tours, abriu um mosteiro em Dume, nas proximidades de Braga, de cuja diocese foi bispo, e converteu os suevos arianos ao catolicismo romano. Na metade do século VII, aí mesmo em Braga São Frutuoso abriu outro mosteiro.
No século VII, monges irlandeses e ingleses se entregaram à evangelização da Alemanha. Vilibrordo e mais doze companheiros propagaram a fé nos Países Baixos na Alemanha Ocidental. No século seguinte, Vinfrido, monge inglês beneditino, conhecido como o Apóstolo da Alemanha, adotou o nome de Bonifácio, foi feito bispo, organizou a igreja na Alemanha e fundou famosos mosteiros.
No final do século VIII e início do século IX, Carlos Magno dominava grande parte da Europa. O reino franco de Carlos Magno compreendia os Países Baixos, a França, a Lombardia, a Saxônia, a Baviera e descia ao sul até Barcelona e as ilhas Baleares. Pensava governar o seu império a exemplo de Constantino, considerando-se o representante de Deus nos seus domínios. Julgava possuir um poder soberano. Nomeava os bispos, promovia a uniformidade da doutrina cristã e protegia o papado. Nunca se perdoou, quando, posteriormente ao fato, entendeu o simbolismo da sua coroação em Roma, na véspera de Natal de 800 EC pelo papa Leão I: o representante de Deus na Terra, segundo o pontífice, era o Papa; o poder do príncipe submeter-se-ia à soberania do papa.
No século IX, o rei Rostilav da Morávia (parte oriental da atual República Tcheca) correspondeu-se com o Imperador Bizantino, pedindo que lhe enviasse missionários, que celebrassem a liturgia em língua eslava, a fim de neutralizar a atividade de evangelizadores da Itália e da Baviera, que a celebravam em latim. O imperador enviou-lhe Metódio e Cirilo, irmãos e monges. No meio de muitas divergências entre as diversas correntes religiosas cristãs, os dois irmãos monges, já autorizados pelo papa, difundiram o cristianismo na Bulgária, Hungria, Rússia e nas regiões das antigas Tchecoslováquia e Iugoslávia. A Bulgária e a Rússia, em seguida, adotaram o cristianismo ortodoxo da Igreja Grega.
O primeiro missionário cristão da Escandinávia foi o monge franco Ansgar no século IX, bispo de Hamburgo, cuja atividade evangelizadora sofreu muita oposição. Assim, somente no final do século X, a Suécia é governada pelo primeiro rei cristão, Olaf Skutkonung, enquanto o rei Olaf Tryggvason impunha o cristianismo à Noruega. Nesse mesmo século X, o rei Harald Bluetooth da Dinamarca aceitou o cristianismo para obter a paz oferecida por Oto II, imperador do Sacro Império Romano. Naquela época, o cristianismo era também uma instituição de natureza política.
O Cristianismo difundiu-se pela Ásia Menor, Palestina, Norte da África e Europa à pé, no lombo de cavalos e mulas, sobre as rodas de carroças e carruagens, a bordo de barcos no Mar Mediterrâneo e nos mares da Europa setentrional, e em canoas pela vasta rede fluvial da Europa. Toda essa assombrosa evolução milenar processou-se a viva voz por milhares de missionários eloqüentes e fascinados pelo mito cristão, ou pela palavra escrita sobre papiro, depois pergaminho e, por fim, papel.

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