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Outro anseio humano tão antigo quanto a História é a pretensão à igualdade social dos indivíduos humanos. Segundo Will Durant, documentos contemporâneos de Gudea relatam que o povo de Lagash adorou aquele monarca como um deus porque no seu governo, 2.600 anos AEC, “durante sete anos a serva era igual à ama, o escravo caminhava lado a lado do senhor e em minha cidade o fraco descansava junto ao forte.”
Ao longo da História, muitos são os registros das tentativas de se construir a sociedade humana da igualdade individual, todas elas até hoje frustradas. A mais importante dessas revoluções igualitárias foi a Revolução Francesa, que teve por lema a trilogia “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” cunhada nas idéias do seu ideólogo, Jean Jacques Rousseau, segundo o qual, os indivíduos humanos no estado natural, isto é, antes de integrarem uma sociedade, são livres, iguais, bons, saudáveis e felizes. A desgraça humana decorreria da sociedade. E a desigualdade entre os indivíduos se originaria na propriedade, que faz surgir o rico e o pobre, e, subseqüentemente, o chefe e o subordinado.
Essas idéias pairavam no efervescente ambiente intelectual da época e tinham o início de sua vertente no filósofo inglês Locke, para quem o indivíduo humano nasce mentalmente vazio e inerte, como um tábua rasa, onde a experiência vai inscrevendo todas as sensações, percepções, idéias, emoções, paixões, juízos, desejos, decisões e vontades. Daí, a distância era um passo para que Helvetius, interlocutor de Rousseau nos famosos salões de Paris de seu tempo, afirmasse que todos os indivíduos humanos nascem iguais e as diferenças são neles produzidas pelo ambiente. Rousseau mais propriamente identifica a causa específica das diferenças individuais: a propriedade.
Helvetius possuía uma receita simples para se obter a igualdade entre os indivíduos humanos: criar ambiente uniforme onde os indivíduos se desenvolvam desde o nascimento, ou mais especificamente, proporcionar-lhes educação absolutamente uniforme, a qual, por isso, deve ser comum, universal e ministrada pelo Estado. Rousseau não ousou advogar a fuga à sociedade e o retorno ao estado natural. Preferiu expor um regime educativo que faria o indivíduo integrado à sociedade aproximar-se do estado natural. Seja como for, a Revolução Francesa retirou a educação do âmbito eclesiástico, tornou gratuita apenas a instrução primária e só para os rapazes compulsória, decepcionando Condorcet, o chefe do Comitê da Instrução Pública da Revolução Francesa, que assim se expressou: “O país tem o direito de criar seus próprios filhos. Não pode confiar esse dever ao orgulho familiar nem aos preconceitos dos indivíduos... A educação deve ser comum e igual para todo o povo francês...” O objetivo dos líderes da Revolução Francesa não se limitava a obter indivíduos iguais, pretendendo principalmente dominar a sociedade através da educação ministrada exclusivamente pelo Estado. A sociedade formada de indivíduos iguais, penso, é inútil, desinteressante e desagradável. Além disso, é absurda, porque é exatamente a desigualdade dos indivíduos humanos que nutre o interesse pela sociedade, porque nela as pessoas se complementam e alcançam maior bem-estar. Acho até que, se os indivíduos nascessem iguais, à educação cumpriria diferençá-los para mais perfeita realização de um objetivo comum. O indivíduo humano nasce numa sociedade de desiguais (pai, mãe e filho) e necessita durante muito tempo dos cuidados maternos para sobreviver.
Um século depois, Mendel e Darwin ensinariam que os indivíduos humanos nascem desiguais. Hoje sabe-se que a reprodução sexuada não se destina tanto à reprodução do indivíduo quanto à permanência da vida, mesmo ao custo da modificação da espécie, reproduzindo enorme quantidade de indivíduos tão diferentes que, em diversas condições ambientais, alguns indivíduos ao menos estejam aptos a sobreviver. Para conseguir a permanência da vida, a natureza surpreende-nos com impressionante fenômeno de desperdício: há espécies em que 98% dos indivíduos gerados sucumbem antes de se tornarem aptos a reproduzir! Os cromossomas e, em última análise, os genes são responsáveis pelas características sexuais dos indivíduos. O homem e a mulher são tão diferentes! Diferem até no encéfalo. Hoje já se sabe que o homossexualismo pode decorrer de causas genéticas e que muitos homossexuais masculinos possuem o hipotálamo mais próximo ao da mulher. O aspecto trágico em tudo isso é saber que o próprio Lombroso, podados os exageros, tinha razão quando identificava causas biológicas para o comportamento agressivo e anti-social de certos indivíduos!
Não creio, por outro lado, que se possa proporcionar educação e ambiente uniforme para todos os indivíduos humanos. O ambiente é diferente, se o indivíduo nasce e vive no Equador, nos trópicos ou nos pólos. Diverso é o ambiente, se o indivíduo nasce e vive no Rio de Janeiro, em povoados, isolado no Nordeste esturricado ou na encharcada floresta amazônica. Uma família difere de outra. Cada família sofre contínuo processo de modificação. E quanta modificação!... Nenhuma escola é igual a outra. Cada escola vale sobretudo o que vale o seu corpo docente. Jamais o corpo docente de uma escola é igual ao de outra. Cada professor difere de todos os outros, e é diferente para cada um de seus alunos, e nem permanece sempre o mesmo para cada aluno, via de regra.
Afigura-se até insanidade pretender proporcionar educação uniforme para indivíduos desiguais. É inadmissível que se dê a mesma educação ao superdotado, ao normal e ao reconhecidamente deficiente mental. Ao contrário, a sabedoria e a humanidade exigem educação diferente para cada um desses grupos. Nem a sociedade pode tratar de maneira uniforme os indivíduos normais e os outros quinze por cento de indivíduos psicóticos e anti-sociais. Nem se antevê que a biologia genética, no estágio atual, possa igualar todos os indivíduos humanos. Nem interessa tal projeto.
Os indivíduos nascem desiguais e se desenvolvem em ambientes desiguais. A sociedade proporciona oportunidades desiguais e nutre expectativas de resultados desiguais para o maior bem-estar da sociedade e de cada indivíduo. Quanto mais livres os indivíduos tanto mais desiguais eles são. Quanto mais iguais os faz a sociedade tanto menos livres eles se tornam.
Tanto a igualdade de oportunidades quanto a de resultados me parecem ingênuas utopias alimentadas por espíritos extraordinariamente sensíveis ou por mentes atreladas à ambição do poder. Em todas as épocas e em todas as sociedades há sempre um pequeno grupo de pessoas cônscias de que quanto maior é a sociedade, tanto mais inviável se torna o governo de todos através de todos, que seria a verdadeira democracia. Até hoje nenhuma sociedade descobriu a fórmula de se livrar do domínio de uma minoria que nasceu e se aprimorou para ser a elite política da sociedade. Todo governo foi de poucos e nada prenuncia que virá a ser de todos. Nascemos desiguais e morreremos desiguais. A igualdade é uma utopia. E a utopia igualitária é uma arma política também.
A igualdade é uma convenção humana, para que se realize outra convenção humana, a convivência, para que exista outra convenção humana, a sociedade, para que exista outra convenção humana, a sociedade civilizada. Os egípcios aceitaram a sociedade faraônica: o faraó, homem deus, dono de todas as terras e bens, e até das pessoas. Sociedade de desiguais. Os gregos conceberam a sociedade dos cidadãos, isto é, dos homens de posse, nascidos na Grécia, que sustentavam o Estado e faziam a guerra. Iguais nas despesas e iguais na guerra, eram também iguais no direito a discutir os destinos da sociedade e a criar as leis, e a se tornarem delegados para aplicá-las. Eram também igualmente livres. Já no que tocava ao patrimônio, não cogitavam de igualdade, mas de equidade: ao mais capaz, maior renda. Maquiavel descobriu que na Idade Média, a convenção aceitava a força e a simulação como base da formação da sociedade e do Estado: o mais capaz, o mais dissimulado e o mais cruel, cruel até o extermínio dos concorrentes e da família dos concorrentes, esse tinha o direito de mandar e de organizar a sociedade a seu talante. Agora, nos tempos modernos, estamos tentando achar uma convenção, que se baseie na igualdade de direitos, igualdade talvez até de renda, não apenas a equitativa dos gregos, mas talvez até mesmo a aritmética dos socialistas. Ainda trataremos disso. Fica apenas uma idéia, uma insinuação: a igualdade é uma utopia, mas também um objetivo de um processo civilizatório. Assim caminha a Humanidade... para a igualdade... caminha e caminha... Civilização é igualdade. Igualdade é massa de coesão da sociedade humana... Civilização implica civis, cidadãos, que habitam a civitas, cidade, que também é urbs, e onde convivem os urbanos, isto é, pessoas que sabem conviver, desiguais que sabem ser iguais para conviverem.
(Escrito no ano de1990)
Ao longo da História, muitos são os registros das tentativas de se construir a sociedade humana da igualdade individual, todas elas até hoje frustradas. A mais importante dessas revoluções igualitárias foi a Revolução Francesa, que teve por lema a trilogia “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” cunhada nas idéias do seu ideólogo, Jean Jacques Rousseau, segundo o qual, os indivíduos humanos no estado natural, isto é, antes de integrarem uma sociedade, são livres, iguais, bons, saudáveis e felizes. A desgraça humana decorreria da sociedade. E a desigualdade entre os indivíduos se originaria na propriedade, que faz surgir o rico e o pobre, e, subseqüentemente, o chefe e o subordinado.
Essas idéias pairavam no efervescente ambiente intelectual da época e tinham o início de sua vertente no filósofo inglês Locke, para quem o indivíduo humano nasce mentalmente vazio e inerte, como um tábua rasa, onde a experiência vai inscrevendo todas as sensações, percepções, idéias, emoções, paixões, juízos, desejos, decisões e vontades. Daí, a distância era um passo para que Helvetius, interlocutor de Rousseau nos famosos salões de Paris de seu tempo, afirmasse que todos os indivíduos humanos nascem iguais e as diferenças são neles produzidas pelo ambiente. Rousseau mais propriamente identifica a causa específica das diferenças individuais: a propriedade.
Helvetius possuía uma receita simples para se obter a igualdade entre os indivíduos humanos: criar ambiente uniforme onde os indivíduos se desenvolvam desde o nascimento, ou mais especificamente, proporcionar-lhes educação absolutamente uniforme, a qual, por isso, deve ser comum, universal e ministrada pelo Estado. Rousseau não ousou advogar a fuga à sociedade e o retorno ao estado natural. Preferiu expor um regime educativo que faria o indivíduo integrado à sociedade aproximar-se do estado natural. Seja como for, a Revolução Francesa retirou a educação do âmbito eclesiástico, tornou gratuita apenas a instrução primária e só para os rapazes compulsória, decepcionando Condorcet, o chefe do Comitê da Instrução Pública da Revolução Francesa, que assim se expressou: “O país tem o direito de criar seus próprios filhos. Não pode confiar esse dever ao orgulho familiar nem aos preconceitos dos indivíduos... A educação deve ser comum e igual para todo o povo francês...” O objetivo dos líderes da Revolução Francesa não se limitava a obter indivíduos iguais, pretendendo principalmente dominar a sociedade através da educação ministrada exclusivamente pelo Estado. A sociedade formada de indivíduos iguais, penso, é inútil, desinteressante e desagradável. Além disso, é absurda, porque é exatamente a desigualdade dos indivíduos humanos que nutre o interesse pela sociedade, porque nela as pessoas se complementam e alcançam maior bem-estar. Acho até que, se os indivíduos nascessem iguais, à educação cumpriria diferençá-los para mais perfeita realização de um objetivo comum. O indivíduo humano nasce numa sociedade de desiguais (pai, mãe e filho) e necessita durante muito tempo dos cuidados maternos para sobreviver.
Um século depois, Mendel e Darwin ensinariam que os indivíduos humanos nascem desiguais. Hoje sabe-se que a reprodução sexuada não se destina tanto à reprodução do indivíduo quanto à permanência da vida, mesmo ao custo da modificação da espécie, reproduzindo enorme quantidade de indivíduos tão diferentes que, em diversas condições ambientais, alguns indivíduos ao menos estejam aptos a sobreviver. Para conseguir a permanência da vida, a natureza surpreende-nos com impressionante fenômeno de desperdício: há espécies em que 98% dos indivíduos gerados sucumbem antes de se tornarem aptos a reproduzir! Os cromossomas e, em última análise, os genes são responsáveis pelas características sexuais dos indivíduos. O homem e a mulher são tão diferentes! Diferem até no encéfalo. Hoje já se sabe que o homossexualismo pode decorrer de causas genéticas e que muitos homossexuais masculinos possuem o hipotálamo mais próximo ao da mulher. O aspecto trágico em tudo isso é saber que o próprio Lombroso, podados os exageros, tinha razão quando identificava causas biológicas para o comportamento agressivo e anti-social de certos indivíduos!
Não creio, por outro lado, que se possa proporcionar educação e ambiente uniforme para todos os indivíduos humanos. O ambiente é diferente, se o indivíduo nasce e vive no Equador, nos trópicos ou nos pólos. Diverso é o ambiente, se o indivíduo nasce e vive no Rio de Janeiro, em povoados, isolado no Nordeste esturricado ou na encharcada floresta amazônica. Uma família difere de outra. Cada família sofre contínuo processo de modificação. E quanta modificação!... Nenhuma escola é igual a outra. Cada escola vale sobretudo o que vale o seu corpo docente. Jamais o corpo docente de uma escola é igual ao de outra. Cada professor difere de todos os outros, e é diferente para cada um de seus alunos, e nem permanece sempre o mesmo para cada aluno, via de regra.
Afigura-se até insanidade pretender proporcionar educação uniforme para indivíduos desiguais. É inadmissível que se dê a mesma educação ao superdotado, ao normal e ao reconhecidamente deficiente mental. Ao contrário, a sabedoria e a humanidade exigem educação diferente para cada um desses grupos. Nem a sociedade pode tratar de maneira uniforme os indivíduos normais e os outros quinze por cento de indivíduos psicóticos e anti-sociais. Nem se antevê que a biologia genética, no estágio atual, possa igualar todos os indivíduos humanos. Nem interessa tal projeto.
Os indivíduos nascem desiguais e se desenvolvem em ambientes desiguais. A sociedade proporciona oportunidades desiguais e nutre expectativas de resultados desiguais para o maior bem-estar da sociedade e de cada indivíduo. Quanto mais livres os indivíduos tanto mais desiguais eles são. Quanto mais iguais os faz a sociedade tanto menos livres eles se tornam.
Tanto a igualdade de oportunidades quanto a de resultados me parecem ingênuas utopias alimentadas por espíritos extraordinariamente sensíveis ou por mentes atreladas à ambição do poder. Em todas as épocas e em todas as sociedades há sempre um pequeno grupo de pessoas cônscias de que quanto maior é a sociedade, tanto mais inviável se torna o governo de todos através de todos, que seria a verdadeira democracia. Até hoje nenhuma sociedade descobriu a fórmula de se livrar do domínio de uma minoria que nasceu e se aprimorou para ser a elite política da sociedade. Todo governo foi de poucos e nada prenuncia que virá a ser de todos. Nascemos desiguais e morreremos desiguais. A igualdade é uma utopia. E a utopia igualitária é uma arma política também.
A igualdade é uma convenção humana, para que se realize outra convenção humana, a convivência, para que exista outra convenção humana, a sociedade, para que exista outra convenção humana, a sociedade civilizada. Os egípcios aceitaram a sociedade faraônica: o faraó, homem deus, dono de todas as terras e bens, e até das pessoas. Sociedade de desiguais. Os gregos conceberam a sociedade dos cidadãos, isto é, dos homens de posse, nascidos na Grécia, que sustentavam o Estado e faziam a guerra. Iguais nas despesas e iguais na guerra, eram também iguais no direito a discutir os destinos da sociedade e a criar as leis, e a se tornarem delegados para aplicá-las. Eram também igualmente livres. Já no que tocava ao patrimônio, não cogitavam de igualdade, mas de equidade: ao mais capaz, maior renda. Maquiavel descobriu que na Idade Média, a convenção aceitava a força e a simulação como base da formação da sociedade e do Estado: o mais capaz, o mais dissimulado e o mais cruel, cruel até o extermínio dos concorrentes e da família dos concorrentes, esse tinha o direito de mandar e de organizar a sociedade a seu talante. Agora, nos tempos modernos, estamos tentando achar uma convenção, que se baseie na igualdade de direitos, igualdade talvez até de renda, não apenas a equitativa dos gregos, mas talvez até mesmo a aritmética dos socialistas. Ainda trataremos disso. Fica apenas uma idéia, uma insinuação: a igualdade é uma utopia, mas também um objetivo de um processo civilizatório. Assim caminha a Humanidade... para a igualdade... caminha e caminha... Civilização é igualdade. Igualdade é massa de coesão da sociedade humana... Civilização implica civis, cidadãos, que habitam a civitas, cidade, que também é urbs, e onde convivem os urbanos, isto é, pessoas que sabem conviver, desiguais que sabem ser iguais para conviverem.
(Escrito no ano de1990)
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