quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

38. Concorrentes dos Nossos Descendentes



No domingo passado, dia 15 do corrente mês, o delicioso artigo do escritor Luís Veríssimo em O Globo refletia sobre a originalidade da espécie humana de subtrair-se à influência da força evolutiva, já que obtivera o poder de controlar o volume de produção dos alimentos, elastecendo as dimensões do próprio ecossistema até as dimensões do próprio globo terrestre. Pouco evoluiríamos, portanto, mas também não correríamos o risco da extinção, dizia ele, salvo se carcomidos pelos impiedosos microorganismos parasitários, que teimam em deliciar-se com o banquete de nossos nutrientes. Outro fator, segundo o mestre, de anulação da força evolutiva no seio da espécie humana reside na tecnologia, que recompõe a normalidade do funcionamento de órgãos atingidos pelo desgaste.
Interessante que, no fim do mês de janeiro próximo passado, o jornal O Globo citava frase do extraordinário compositor de música e Ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, em que ele previa que a evolução da Humanidade ocorreria mediante a fabricação pelo próprio Homem de um ser superior a ele, o Homem Robótico ou Cibernético, usando o amplo desenvolvimento da tecnologia.
Ainda anteontem, o ilustre senador Marcelo Crivela, expressou categoricamente no Senado Federal seu repúdio à teoria evolucionista, afirmando que nenhum fato existe que embase a teoria da evolução.
Vê-se que algo existe, no momento, que está estimulando a reflexão sobre a teoria evolucionista. Creio que sejam os duzentos anos, que se completaram em 12 de fevereiro corrente, da data de nascimento do autor, Charles Darwin. A intuição darwiniana da evolução aí permanece como a melhor explicação científica dos fatos inegáveis de que espécies aparecem e outras se extinguem. A Biologia, a Zoologia, a Genética e a Paleontologia apresentam uma explicação coerente de que espécies derivam de espécies precedentes. A teoria evolutiva influenciou a Psicologia nascente e surgiu a Psicologia Funcional. Atingiu a também recém-nascida Sociologia com o inglês Herbert Spencer que afirmou serem os ricos os mais aptos indivíduos da espécie humana. A espécie humana sobreviveria através deles, com a contrapartida da eliminação da espécie humana inferior, constituída pela camada dos indivíduos pobres. Nada de admirar que ele tenha sido recebido no início do século passado, de forma acalorada, pelos norte-americanos e que Andrew Carnegie, aquele do Carnegie Hall e magnata da indústria do aço, o haja incluído no rol de seus grandes amigos. Galbraith acrescenta que Spencer considerava a atitude solidária com relação aos pobres um desserviço à melhoria da espécie humana. O lúcido economista lança uma dúvida: não seria a herança também obstáculo ao trabalho seletivo da força evolutiva no seio da espécie humana?
Por essa mesma época, Nietzsche também falava do super-homem e de que virtudes eram a força, a arrogância, a audácia, o domínio, a opressão. Enfim, o super-homem é o superguerreiro. E a origem do Estado não se acha na convenção, mas no poder: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência". O Conde de Gobineau, diplomata francês, que trabalhou no Brasil, foi amigo de D. Pedro II e desgostava do povo brasileiro, escreveu sobre a desigualdade racial e afirmou que a miscegenação leva à inferioridade mental e à esterilidade. Por isso, naqueles inícios do século passado, em diversos países adotou-se a política da eugenia, pretendendo-se melhorar a raça. Hitler explorou essa ideia para erguer o moral do povo alemão, manter-se no poder e ousar executar o plano do domínio do povo germânico sobre todos os demais. Claro que a eugenia ficou mal vista e tornou-se execrada pela intelectualidade esclarecida. Os respingos da repulsa atingiu a atuação da força evolutiva na espécie humana. Assim, na espécie humana, a força evolutiva não funcionaria, como parece dizer o admirável escritor e sábio que é Luís Veríssimo. Tão estigmatizada se tornou a ideia de superioridade racial, que James D. Watson, um dos agraciados com o prêmio Nobel pela descoberta da estrutura do DNA, se viu constrangido a exonerar-se do cargo em empresa de pesquisa genética, porque ousou advogar, no ano passado, a investigação sobre a possibilidade de diferenciação do nível mental entre as raças.
E não funcionaria, dizem alguns zoólogos e biólogos, porque a evolução das espécies é processo lento, exigindo isolamento e tempo. Isto é, é preciso tempo para que desapareça a espécie menos adaptada e permaneça apenas a espécie mais adaptada, e para que a mutação se consolide. É preciso isolamento para que espécies menos favorecidas não venham interferir na mutação, contrabalançando ou retardando-a. Acontece, entretanto, que outros zoólogos e biólogos pensam que ocorrem também mutações bruscas e até afirmam que novas espécies de aves estão surgindo lá em Galápagos, o histórico laboratório natural das observações de Charles Darwin. Assim, ainda que muito dificultada pela intercomunicação e pela miscegenação, o surgimento natural de uma nova espécie humana pode surgir. Isso, se a Humanidade conseguir corrigir esse comportamento absurdo que parece levá-la à extinção.
A outra forma é a produção de espécie humana superior nos laboratórios de produção artificial de embriões humanos. Já se produzem embriões planejados com diversas qualidades desejadas pelos pais. Já se está na iminência de corrigir defeitos mentais em embriões concebidos naturalmente. Já se está na iminência de produzir seres humanos imunes a diversas doenças. Já se desconfia que já se está usando a genética na fabricação de esportistas mais qualificados. A adoção da farmacalogia na fabricação de corpos mais perfeitos está generalizada e adotada mundialmente. Já se admite que se evite o nascimento de anencéfalos. Já se permite em casos terminais da vida humana certo tipo de eutanásia. Sabe-se que é generalizado o uso de fármacos que aprimoram o desempenho cerebral. A produção da nova espécie humana pode também acontecer artificialmente, produzida pelo homem. Há países que admitem a esterilização de estupradores psicóticos. Há limites éticos a serem considerados, mas tudo indica que a Humanidade seguirá no rumo da eugenia ética.
Há também a via indicada pelo admirável compositor musical, Gilberto Gil, a tecnologia robótica e cibernética. Os norte-americanos estão fabricando um supercomputador que é doze vezes mais potente que o mais potente supercomputador existente. O que esse computador será capaz de fazer? Haverá limite para o poder de invenção humana? Kasparov, o mestre do jogo de xadrez, entrou em pânico quando sentiu a superioridade do computador no ano de 1997. Robôs existem que já reagem, mecanicamente é verdade, à voz e aos esgares humanos. Conseguirá o homem que eles venham a se reproduzir?
Resta, ainda, a via mista de um robô, máquina e homem. Esses estão começando a surgir. Há esse composto que permite a caminhada de paraplégicos, que consegue a manipulação de mãos e dedos robóticos com a simples ordem mental. E há todos esses aparelhos usados pela medicina nas suas mais diversas especialidades. Trata-se de um início. Mas, a trajetória mostra-se ilimitada e ao alcance da tecnologia humana.
Creio que a nossa espécie humana, a atual, aquela à qual pertencemos, não será a realização final da força evolutiva.

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