quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

32. A Vida numa Conjuntura Inflacionária (continuação)


Não surpreende que em 11 de novembro de 1923, um pão custasse 429 bilhões de marcos, um quilo de manteiga 5,6 trilhões de marcos e um jornal 200 bilhões de marcos. Homens e mulheres corriam para gastar seus salários, minutos após recebê-los, se possível. Nas ruas casais puxando carroças, empurrando carrinhos de mão ou de bebê, ou carregando baldes cheios de cédulas se cruzavam a todo momento: uns iam ao banco para depositar, outros acabavam de retirar dinheiro.
Mal os salários eram recebidos, precipitavam-se na direção das lojas para comprar comida. Com a massa de cédulas correspondentes a uma semana de mais de 50 horas de trabalho e carregando-a em imensos cestos de roupa, obtinha-se comida para dois ou três dias! Médicos e advogados preferiam receber os honorários em carne ou ovos do que em cédulas. Os cigarros eram muito procurados, porque raros e caros. Velhos famélicos eram vistos nas ruas trocando jóias, objetos de arte e peles por alimentos. Um escritor narra que o avô poupara dinheiro durante toda a vida para custear-lhe os estudos. Na morte do avô, ele recebe a herança de 8 mil marcos, depositada num banco. Os pais apressaram-se em retirá-la para que não perdesse todo o seu valor. Ela serviu para comprar um pão, 500 gramas de margarina e 60 gramas de café.
Em 1922/23, a circulação de cheques generalizou-se. Todas as classes sociais utilizavam esse sistema de pagamento. 90% dos operários dispunham de uma conta-corrente na Saxônia. Mas, em 1923 já se evitava o depósito de dinheiro nos bancos, porque a inflação fazia necessária a imediata aquisição de bens e porque se tornara difícil descontar cheque, como descreve um jornalista: “É difícil descontar um cheque. A nota de 10 mil marcos é a de maior denominação impressa e os bancos não a possuem mais. Esta manhã, caminhões carregados com papel-moeda chegaram incessantemente ao Reichsbank, mas mensageiros com carrinhos de mão também lá estavam para levar os maços de notas entregues pelo Banco... O caixa do meu banco deu-me 4 milhões de marcos em notas de 1 mil marcos, cada uma valendo menos de ¼ de libra. Obsequiosamente embrulhou-as num papel para mim. Mais tarde as pus na mesa do restaurante onde almocei e abri quando o garçom trouxe a conta. Mas, esta dificuldade logo desaparecerá, pois esperamos ter notas de 4 milhões de marcos no final da próxima semana.” A queda do marco provocava o aumento dos preços que por sua vez determinava a reavaliação dos salários, tornando necessária nova impressão de papel-moeda. Era um círculo vicioso. Dia e noite, três equipes alternavam na impressão de cédulas, até mesmo no domingo. Os cofres de reserva eram insuficientes para conter essa impressionante massa de papel. Os dirigentes do sistema bancário temiam que, num certo momento, a impressão da cédula custasse mais que o seu próprio valor. Porque só as notas de valor elevado ofereciam efetivas possibilidades de compra, as cédulas de valor médio não eram encontradas no dia a dia. Os bancos ofereciam brindes de 10% a quem as encontrasse. As cédulas mais comuns eram de 10.000 e 50.000 marcos. Era quase impossível receber troco. Ocasionalmente, o comércio parava quando as impressoras se atrasavam na produção de novas notas de denominações suficientemente grandes para que o volume de papel exigido para o provimento das necessidades do dia pudesse ser carregado. Nos correios, os cartões-postais eram totalmente cobertos por selos, de sorte que não sobrava espaço para o endereço, porque era impossível a impressão dos selos acompanhar o aumento da tarifa postal.
Nos últimos meses de 1923, a inflação desenvolveu-se por si mesma e também destruiu todos os métodos conhecidos para controlá-la. Manter dinheiro era, evidentemente, um exercício incrível de tolice. Assim todos os valores recebidos, além de todas as economias passadas, eram levados apressadamente ao mercado. A tributação perdeu todo seu valor. Quando era recolhida, os pagamentos efetuados pelo Governo a haviam superado. Vasto déficit governamental tornou-se conseqüência da própria inflação. As empresas tinham necessidades semelhantes de cobrir o hiato entre as despesas correntes e a posterior chegada das receitas da venda. E esse déficit aumentava com a inflação. E isso não podia ser financiado pelos bancos, porque nenhum banqueiro fazia empréstimo que poucas semanas mais tarde seria pago com dinheiro cujo valor seria apenas uma fração do empréstimo original. Assim, o Reichsbank (o Banco Central alemão) se viu obrigado a fornecer empréstimos diretamente às empresas. Como ninguém queria guardar dinheiro e ninguém mais queria descontar cheque, porque o dinheiro perdia valor enquanto se descontava o cheque, tampouco alguém desejava ter depósito bancário. Assim empresas e governo tratavam, quando precisavam de dinheiro, de reter cédulas. Daí a vasta procura de papel-moeda.
A 2 de novembro de 1922, o dólar valia 9.000 marcos. Em março de 1923, 22 mil marcos. No fim de abril, 40 mil marcos. Em agosto, um milhão de marcos. A 10 de novembro de 1923, valia 130 bilhões de marcos. Com essa cifra inimaginável, a moeda alemã recebia o golpe fatal. A Alemanha está à beira da catástrofe. Essa taxa oficial do dólar constituía a base para os negócios durante 24 horas, isto é, durante o dia 2 de novembro. Ocorre que, na tarde do dia 2 de novembro, a taxa de dólar havia de fato aumentado para 320 bilhões de marcos. O papel-moeda tinha perdido num dia 60% do seu valor. Enquanto os lojistas faziam o câmbio e pagavam os atacadistas, o marco sofria novas desvalorizações. No dia 2 de novembro de 1923, os negócios pararam. Os estabelecimentos comerciais e as grandes lojas ficaram desertas. Os funcionários ficaram reduzidos ao mínimo. Os fazendeiros recusaram vender seus produtos contra um dinheiro que desvalorizava a cada hora. A produção cessou e o desemprego agravou-se. Em setembro de 1923 havia 250 mil desempregados, sustentados inteiramente pelo Estado. Em 15 de outubro, 700 mil. Em 15 de novembro, 1.270.000. Em 15 de novembro, 1.500.000 desempregados, e mais 1.800.000 que trabalhavam apenas meio expediente.
Aliás, o desemprego é a mais terrível conseqüência da inflação. O Estado alemão organizou um serviço de assistência aos desempregados. As municipalidades passaram a dar um abono aos desempregados que em contrapartida realizavam trabalhos de utilidade pública: terraplenagem, construção de estradas, derrubada de árvores etc. Outros ajudavam os inválidos, as viúvas e os pensionistas de guerra em sua compras e em trabalhos domésticos. Outros prestavam serviços em associações filantrópicas. Havia os que recebiam refeições e roupas por trabalhos de auxiliar em oficinas, empresas e escritórios.
Malgrado essa ajuda, a situação do desempregado continuava material e moralmente insuportável, como relatou um deles, um aristocrata e ex-combatente: “Nós, alojados numa casa para solteiros, recebíamos ao meio-dia e à noite uma refeição e tínhamos um abono de 2,5 bilhões de marcos por semana. Gastávamos 1,5 bilhão na compra de um pão, e, com o resto, podíamos apenas obter um pouco de manteiga, geléia ou algo parecido. Isso teria sido suportável, se a refeição nos tivesse saciado...” Segundo seu relato, a refeição era uma sopa, que parecia água, e algumas batatas estragadas. O pão, que compravam, durava quatro dias no máximo. A fome, que lhes atormentava o estômago, impedia-os de ler e escrever. Atordoados, tentavam matar o tempo dormindo ou na expectativa do próximo abono semanal. No dia do recebimento do abono, levantavam-se cedo para tentar chegar em primeiro lugar no local do pagamento. Entravam numa fila gigantesca de operários para receber o dinheiro. Freqüentemente a pontualidade não era rigorosa. Convocados para as dez ou onze horas, só às três ou quatro o abono era entregue. As cédulas de bilhões de marcos desvalorizados eram firmemente seguras. Logo os desempregados se precipitavam na direção de uma padaria para comprar pão. De volta à casa, comiam com avidez. Alguns engoliam tudo de uma só vez para depois vomitar mais tarde. Outros gastavam todo o dinheiro em bebida, a fim de fugir da miséria por algumas horas! Normalmente, o comprador devorava a metade de um pão, para experimentar a sensação da saciedade. Depois, a semana decorria de novo num estado de torpor embrutecido.
O fenômeno do desemprego e do empobrecimento das camadas da população economicamente mais baixas surge muito antes da época de crise aguda inflacionária. No início de 1922, apenas 10% dos alemães dispunham do mínimo vital. A situação só faz piorar com a aceleração da inflação. Em um ano, de março/22 a março/23, os preços foram multiplicados por cem. A garrafa de vinho passou de 50 para 100.000 marcos. A caneca de cerveja elevou-se de 10 para 500 marcos. Em Berlim, o preço do bilhete do metrô multiplicou-se por 30. Impossível encontrar açúcar. Não se obtinha água mineral, mesmo pagando. Na maioria das famílias, a carne só aparecia na mesa uma vez por semana.
A subalimentação das crianças era a regra dramática. Nas escolas, 15 a 40% dos alunos apresentavam diversos sintomas de desnutrição. Ínfima minoria recebia três refeições por dia. De 15 a 20% iam para a escola de manhã, sem ter ingerido o que quer que fosse. Com relação às roupas, as condições não eram melhores. Os alunos se apresentavam sem casaco, inconvenientemente calçados, roupas rasgadas ou insuficientes, sem camisa, sem meias, de chinelos ou pés descalços.
Formavam-se filas de centenas de pessoas diante das padarias, mercearias e leiterias durante horas. Formavam-se também diante dos albergues do Exército da Salvação em busca de sopa, diante dos escritórios de distribuição dos abonos-desemprego ou diante das bancas de jornais (que eram muito caros).
(continua)

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